A transição de poder no Governo Federal traz novamente à tona, nas diferentes esferas da República, a discussão sobre o gasto público e seu papel para o desenvolvimento nacional e para o combate às desigualdades. Após pelo menos seis anos de insistentes tentativas de restringir os investimentos do Estado e de consolidar uma política fiscal preocupada meramente com o controle do gasto público por meio de cortes em áreas estruturantes como Educação, Saúde, Cultura e Infraestrutura, vemos reacender a preocupação e o senso de urgência em relação às necessidades das populações mais vulneráveis, que passam a novamente figurar como eixo central de um projeto de desenvolvimento para o país.
O relançamento do Bolsa Família, a discussão sobre a nova âncora fiscal e reforma tributária, os reajustes para bolsas de estudo e pesquisa e a reestruturação de uma carteira nacional de projetos de infraestrutura são exemplos que ilustram este fenômeno. Demonstram um realinhamento da política econômica do Brasil com a agenda das grandes agências internacionais de investimento, que têm abandonado a ideia de austeridade a qualquer custo e passado a considerar a qualidade do gasto e a importância do investimento público para socorrer as populações castigadas por dois anos de pandemia. Também é parte dessa agenda a necessidade de alavancar a transição rumo a uma economia de baixo carbono e promover a adaptação das cidades em um mundo cada vez mais propenso a fenômenos climáticos extremos.
Em um momento em que iniciamos um novo ciclo político no país, no qual o tema da inclusão de populações vulneráveis volta à pauta do Governo Federal, este tipo de iniciativa ajuda na construção de soluções técnicas e orçamentárias para as políticas públicas
É neste cenário que a Fundação Tide Setubal, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento (Assecor) e a Associação Brasileira de Pesquisadores e Pesquisadoras Negros e Negras (ABPN) lançam a segunda edição do Prêmio Orçamento Público, Garantia de Direitos e Combate às Desigualdades. Na primeira edição, em 2022, a iniciativa se deu em um espírito de resistência, como um contraponto a essa visão de que o gasto público tem que ser contido a qualquer custo, mesmo gerando recessão e provocando a ampliação das desigualdades em velocidade sem precedentes na história recente do Brasil. Oito trabalhos de diferentes pesquisadoras e pesquisadores foram selecionados, premiados e divulgados na forma de uma publicação, disponível no site da Fundação Tide Setubal.
Os temas abordados nesses artigos se mostram extremamente relevantes para qualificar o debate sobre planejamento público no Brasil, permitindo tratar aspectos importantes sobre a qualidade do gasto que frequentemente são invisibilizados quando todo o foco do debate econômico se restringe à meta fiscal. Laura Muniz defende, a partir do caso da cidade do Rio de Janeiro, a importância do recorte de gênero no orçamento público. Caio Callegari argumenta sobre a importância de modelos descentralizados de execução orçamentária na Educação levarem em conta critérios de equidade, direcionando mais recursos para as escolas mais vulneráveis. Já Henrique Xavier e Pepe Tonin demonstram a relação inversamente proporcional entre o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e as taxas de desmatamento na Amazônia, apontando que alocações orçamentárias refletem escolhas políticas que têm consequências reais.
A nova edição do Prêmio vai contemplar oito manuscritos inéditos com contribuições relevantes ao campo das finanças públicas com um aporte de R$ 20 mil para o 1º lugar, R$ 15 mil para o 2º, R$ 10 mil para o 3º e R$ 5 mil para os demais (não haverá distinção de classificação a partir do 4º lugar). A comissão julgadora é composta por: Diogo Lima, cientista social; Flávia de Oliveira, jornalista; Francisco Tavares, cientista político; Márcia Lima, socióloga; Mônica de Bolle, economista; Úrsula Dias Peres, pesquisadora; e Vilma da Conceição, economista. Um dos diferenciais desta edição é a garantia da diversidade entre os premiados. Pelo menos quatro dos oito artigos vencedores deverão ser assinados por representantes de grupos minorizados como negros, indígenas, população trans e pessoas com deficiência.
Em um momento em que iniciamos um novo ciclo político no país, no qual o tema da inclusão de populações vulneráveis volta à pauta do Governo Federal, este tipo de iniciativa ajuda na construção de soluções técnicas e orçamentárias para as políticas públicas. Para participar, os artigos devem contemplar pelo menos um dos seguintes subtemas de interesse, que refletem importantes desafios que deverão ser enfrentados pelo país nos próximos anos. O subtema “Orçamento Público, Democracia e Garantia de Direitos” propõe o debate sobre como os processos de planejamento e execução orçamentária podem ser desenhados para fortalecer o sistema democrático e o combate às desigualdades. No contexto do dia 8 de março, por exemplo, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, anunciou um capítulo específico para as mulheres no Plano Plurianual. Este é um exemplo de como o desenho do orçamento público pode avançar para incorporar a perspectiva de gênero, mas há muitas outras mudanças necessárias para que o país possa resgatar a cultura de planejamento e avaliação do gasto público de forma a melhor contemplar as demandas da sociedade.
O segundo subtema previsto no prêmio, “Sistema Tributário, dívida pública e política fiscal para a promoção da equidade”, dialoga com a proposta da necessidade de novas bases para uma política fiscal sustentável após o fracasso da experiência do chamado ‘teto de gastos’. O Governo Federal está empenhado na discussão da reforma tributária e de uma nova âncora fiscal e os pesquisadores e pesquisadoras dedicados a este tema certamente têm muito a contribuir neste processo.
Por fim, o terceiro tema de interesse, “Novos Arranjos Financeiros para a Implementação de Políticas Setoriais”, justifica-se pelo fato de que, mesmo que tenhamos um orçamento público pensado para garantir direitos e combater desigualdades, mesmo que a política fiscal seja de fato mais expansionista e permita novos investimentos nas áreas sociais, a disponibilidade de recursos ainda será insuficiente devido à imensa e urgente demanda por políticas públicas. Será preciso encontrar alternativas criativas para novas formas de financiamento das políticas públicas. As lacunas que foram acentuadas nos últimos anos, os retrocessos que fomos acumulando até aqui, não serão resolvidos somente com os arranjos de sempre.
Todas as informações, incluindo edital e formulário para inscrições, estão aqui. Com o Prêmio, as organizações proponentes esperam dar visibilidade à extensa e rica produção acadêmica brasileira sobre finanças públicas e contribuir com o necessário debate sobre a relação entre as formas de atuação do Estado e o desenvolvimento nacional.