FOTO: Cecília Bastos/Jornal USP
FOTO: Cecília Bastos/Jornal USP

Quais os principais fatores que provocam a falta de professores

Paolla Vieira
Pesquisa mostra como falta de apoio psicológico, absenteísmo e inadequação docente são três dos grandes problemas que afetam o ensino e, consequentemente, a aprendizagem

Dentre múltiplos fatores, a melhoria da qualidade da educação no Brasil passa por investigar e rever como os professores são apoiados no dia a dia da sala de aula e em relação à própria carreira para desempenhar bem suas funções. Reconhecimento, formação continuada e suporte emocional são chaves para prevenir o esgotamento psicológico e a sensação constante de sobrecarga, termos tão comuns no discurso dos educadores e que, na prática, os afastam da tarefa docente e os impedem de exercer a profissão com qualidade.

Durante oito meses em 2022, essas e outras questões foram alvos da pesquisa “O Futuro da Docência no Brasil”, iniciativa da Conectando Saberes publicada no início de 2023. Foram considerados temas que levam em conta a sequência de etapas que um docente percorre ao longo da carreira, desde a atratividade até os planos de carreira e salários oferecidos pelas redes de ensino. No total, 6.430 profissionais responderam um questionário, sendo 74,3% professores. Os demais são coordenadores pedagógicos, diretores de escolas, membros de secretarias de educação ou supervisores de ensino. A maioria trabalha nas redes municipais (71,4%), enquanto 22,7% nas estaduais e 5,9% restantes em outras instituições (privadas, escolas federais e filantrópicas).

Quando foi planejado conversar com educadores sobre o futuro da profissão docente no Brasil, alguns temas não poderiam deixar de ser investigados: a falta de apoio psicológico para professores, o absenteísmo e a inadequação docente, três dos grandes problemas que afetam o ensino e, consequentemente, a aprendizagem.

É urgente pensarmos em todas essas questões que estão afastando os professores das salas de aula, temporária ou definitivamente

A inadequação docente é um fenômeno que acontece quando profissionais são alocados para dar aulas em disciplinas para as quais não foram formados. Por exemplo, professores de Inglês designados a dar aulas de arte ou educação física. Dos entrevistados, 70,5% declararam que esse é um evento frequente na escola em que trabalham. Não é segredo para ninguém: em qualquer profissão, para fazer bem é preciso saber fazer. Mas a inadequação na alocação dos professores impede que isso aconteça. Estudos anteriores já revelaram que a inadequação na alocação tem a ver com um problema de oferta, isto é, a falta de profissionais em determinadas disciplinas e a necessidade de preencher essas lacunas com profissionais de outras disciplinas. Segundo pesquisa do Instituto Península e da Fundação Getulio Vargas, apresentada em 2000, o Brasil tem um número de oferta de professores suficiente no total agregado; entretanto, há grandes disparidades de oferta entre as disciplinas. Em geral, há um número maior de pedagogos no mercado do que outras licenciaturas, sobretudo em Química, Física, Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia. O desequilíbrio está estreitamente relacionado à baixa procura por algumas licenciaturas e a um conjunto de fatores como a baixa atratividade da carreira docente, o alto custo de alguns cursos de licenciatura e a maior ou menor possibilidade de certos diplomas oferecerem oportunidades em outras profissões.

Outro problema identificado pela pesquisa da Conectando Saberes, que tem pontos de afinidade com a inadequação docente e é transversal às escolas e redes de ensino, é o absenteísmo dos educadores. Mais da metade dos respondentes (60,3%) acredita que faltar ao trabalho é um problema significativo na escola ou rede em que atua, seja por ausências (justificadas ou não) ou afastamento.

Essas duas questões - inadequação e absenteísmo docente - têm relação estreita com outro número expressivo da pesquisa, que por sua vez, revela mais problemas delicados da educação no Brasil. Pouco mais de 75% dos entrevistados acreditam que um dos principais fatores que fazem os professores desistirem ou pensarem em desistir da carreira docente está relacionado a questões psicológicas. Em conversas realizadas em grupos focais, os profissionais disseram que o reconhecimento e suporte emocional por parte dos gestores são importantes para prevenir o esgotamento psicológico e a sensação de sobrecarga.

Outra ação que precisa fazer parte do planejamento da gestão escolar no combate aos três abordados neste artigo é a institucionalização de boas práticas de reconhecimento nas escolas, com estabelecimento de rotinas de apreciação e compartilhamento das ações dos professores. Sobre isso, inclusive, mais de 35% dos educadores recomendam a troca de experiências entre professores de diferentes disciplinas, de modo que mesmo alocados em disciplinas distintas daquela para as quais foram formados possam ministrar aulas com mais qualidade. Trocando em miúdos, eles estão falando em criação de sentimento de pertencimento, oferta de formação continuada e espaços abertos para escuta ativa.

Ainda de acordo com os respondentes da pesquisa, as secretarias também podem contribuir para contornar os problemas relacionados ao absenteísmo e à inadequação docente se investirem na melhoria dos mecanismos de alocação dos professores nas escolas, usando sistemas para cruzar dados. Assim, seria mais viável fazer com que um professor tenha o máximo de turmas na mesma escola ou região e não seja alocado em disciplinas para as quais não recebeu formação. A gestão democrática da escola também foi citada como forma de garantir que os professores se sintam confortáveis com as decisões de alocação e contribuam para um sistema mais eficaz. Evidentemente, melhorar o engajamento, a motivação e a saúde mental dos professores também tem a ver com a manutenção de um olhar cuidadoso para as políticas públicas que tenham a ver com melhoria e manutenção da infraestrutura escolar e das condições físicas de trabalho do professor, apoio material para esse profissional e remuneração adequada e compatível.

É urgente pensarmos em todas essas questões que estão afastando os professores das salas de aula, temporária ou definitivamente. Caso contrário, estaremos contribuindo para diminuir ainda mais a atratividade da carreira, que já dá sinais de esgotamento. Segundo 47,7% dos respondentes, o principal fator que leva um jovem a decidir seguir a carreira de professor está relacionado à vocação pela educação e à vontade de querer transformar a sociedade.

Paolla Vieira é diretora da Conectando Saberes, rede de professores da educação pública brasileira presente em mais de 70 municípios e apoiada pela Fundação Lemann.

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