Entre a escola e o trabalho: a vida nada fácil dos jovens brasileiros, em 6 pontos

Alvaro A. Comin
FOTO: Sam Balye/Unsplash
Qual a relação entre estudo e trabalho para a população jovem brasileira? Como o trabalho para jovens impacta os esforços para a elevação da escolaridade? Quais são as possíveis consequências do atual declínio demográfico para o futuro dos jovens no Brasil? Conheça evidências sobre o tema

Os primeiros resultados do Censo 2022, divulgados recentemente, apontaram para um declínio mais acentuado do que se esperava na taxa de crescimento da população brasileira: 0,58% ao ano, mais ou menos a metade da taxa verificada na década passada, de 1,17%.

Dentro de duas décadas, a população brasileira poderá começar a encolher em termos absolutos. A tendência em si não é nova, o número de nascimentos vem encolhendo no Brasil desde os anos 1980 e desde a virada do milênio a taxa de fertilidade das brasileiras se encontra abaixo da taxa de reposição populacional, de 2,1 filhos por mulher. Mas o que antes era um assunto especulativo, relativo a um futuro ainda distante, agora deve passar a se revestir de maior urgência.

A população mais jovem está encolhendo e o Brasil está envelhecendo rapidamente. A seguir são apresentados seis pontos sobre os impactos desta tendência para as políticas públicas, o bem-estar e desenvolvimento no Brasil.

1. Quais são as possíveis consequências do atual declínio demográfico para o futuro dos jovens no Brasil?

No médio e longo prazos, as consequências do declínio demográfico podem ser tanto positivas (redução da pobreza, pelo aumento do gasto social per-capita; redução da desigualdades de renda, pela valorização do salários; ou menor pressão sobre os recursos naturais), quanto negativas (escassez de força de trabalho limitando o crescimento econômico; o aumento exponencial do gasto social com a população idosa; insolvência dos sistemas previdenciários).

Para a população mais jovem, o encolhimento demográfico pode trazer vantagens, como o já mencionado crescimento do orçamento per-capita em educação e outras áreas relevantes; pode reduzir a concorrência por vagas nas instituições de ensino superior de maior qualidade, especialmente as públicas e gratuitas; e pode favorecer a melhoria dos salários e das condições de trabalho nos estágios iniciais de suas vidas profissionais, uma vez que a concorrência por vagas deve diminuir. Mas tudo isso depende, naturalmente, de que os investimentos em educação continuem a ser feitos, que as instituições públicas de ensino superior continuem a existir e continuem a ter qualidade e, sobretudo, que o mercado de trabalho seja mais dinâmico do que tem sido.

Os dados mais detalhados de que dispomos, através da PNAD-Contínua, cobrindo o decênio que vai de 2012 a 2021, evocam a imagem surrada do “copo meio-cheio, meio-vazio”. Os níveis de escolarização da população avançaram de forma significativa (ainda que estejam muito aquém do que seria desejável); ao passo que o mercado de trabalho encolheu, afetando de forma particularmente dramática aos mais jovens e menos escolarizados. A pandemia de covid-19 teve um papel central neste resultado, mas a tendência de exclusão dos mais jovens e menos escolarizados já estava em curso nos anos que a antecederam.

2. Qual a relação entre estudo e trabalho para a população jovem brasileira?

No Brasil, estudar e trabalhar não são etapas consecutivas e sim concomitantes na vida dos jovens. A partir dos 18 anos, a maioria dos brasileiros já está no mercado de trabalho; entre estudantes de nível superior, nada menos que três quartos estavam no mercado de trabalho, em 2021 (PNAD/IBGE). Para os jovens nesse nível de ensino, a associação entre trabalhar e estudar é duplamente importante. Por um lado, o diploma de nível superior vem se tornando cada vez mais um item de sobrevivência no mercado de trabalho (não o possuir aumenta enormemente o risco de ser excluído, mesmo em ocupações que não demandam, formalmente, esse nível educacional) mas, por outro, para grande parte dos jovens, trabalhar é a única forma de custear seus estudos, manterem-se a si próprios e às suas famílias. Vejamos.

Em 2012, cerca de 40% dos jovens entre 20 e 29 anos não haviam completado o ensino médio, proporção que cai para menos de 30% em 2021. A diferença se reverte em aumento do número de jovens cursando o ensino superior, especialmente na faixa dos 20 aos 24 anos (aumento de 16% para 22%), e também no número de pessoas graduadas, na faixa de 25 a 29 anos (de 15% para 21%). Mesmo assim, o ponto mais alto em termos de posse do diploma superior, no Brasil de 2021, ocorre na faixa dos 30 aos 39 anos: 25% dos brasileiros nessa faixa de idade são graduados. Isso indica que as trajetórias de escolarização no Brasil são relativamente longas, estendendo-se pela vida adulta, quando os indivíduos já estão há muito inseridos no mercado de trabalho (Tabela 1.).

Entre os jovens que cursam o ensino superior, a grande maioria está no mercado de trabalho, ou na condição de ocupada ou em situação de busca ativa por emprego. Na faixa dos 18 aos 19 anos, estão na força de trabalho cerca de metade dos jovens, proporção que sobe para dois terços, na faixa de 20 a 24 anos, e a 80% na faixa de 25 a 29 anos. Nesse último grupo, inclusive, a proporção de jovens cursando o nível superior é maior entre os que trabalham do que entre os que não trabalham (Tabela 2.). Considerando que quase 80% das matrículas no ensino superior no Brasil correspondem a instituições privadas, não é difícil perceber o vínculo entre trabalhar e estudar.

3. Como o nível de escolaridade afeta oportunidades para jovens e adultos no mercado de trabalho?

Neste período que vai de 2012 a 2021, há pelo menos três conjunturas diferentes: no primeiro triênio, 2012-2014, o mercado de trabalho se encontrava aquecido, com taxa de desocupação na casa dos 7%; o intervalo 2015-2019 é de retração ou baixo crescimento econômico, com o desemprego saltando para a casa dos 11% (2019); e o biênio final, 2020-2021, é marcado pela pandemia de covid-19, que aprofundou de maneira sem precedentes a recessão, o desemprego (14%, em 2021) e principalmente a inatividade.

Em 2021, o total de pessoas ocupadas no Brasil era praticamente o mesmo de 2012: houve, na verdade, uma pequena oscilação negativa de 0,2%, cerca de 200 mil empregos a menos. Enquanto isso, a população de 14 anos e mais (a população em idade ativa) cresceu cerca de 11%. No período que antecede a pandemia, 2012 a 2019, o número de ocupados cresceu menos de 6%, bem abaixo da variação populacional, que foi da ordem de 9%. Após dois anos de pandemia, todo o crescimento anterior havia evaporado (queda de 5,8% no número de ocupados, ou 5,5 milhões de pessoas) (Tabela 3.).

Por trás desse sobe-e-desce, com saldo praticamente nulo, esconde-se, porém, uma vigorosa dança das cadeiras. Ao longo do decênio, o número de pessoas ocupadas que não possuíam diplomas de nível superior encolheu em mais de 8 milhões, enquanto o número de pessoas graduadas cresceu praticamente na mesma magnitude (Tabela 3.). Esses dois movimento não ocorrem sincronicamente; o crescimento do número de ocupados graduados se concentra principalmente no momento pré-pandemia, ao passo que a maior parte dos não-graduados que perderam a condição de ocupados ocorre durante a pandemia; contudo, os dois movimentos são persistentes ao longo de todo o período: no primeiro momento (2012 a 2019), o saldo positivo no número de ocupados, da ordem de 5,2 milhões de pessoas, é produto de um encolhimento de 1,2 milhão de ocupados sem graduação e de um acréscimo de quase 6,5 milhões de graduados; no período da pandemia nada menos que 7 milhões de não-graduados deixaram de estar ocupados, enquanto o número de graduados ocupados cresceu em perto de 1,5 milhão (Tabela 3). Ou seja, a pandemia apenas deu uma escala muito maior e mais comprimida no tempo a uma tendência que já estava em curso.

Por fim, a maior parte deste “ajuste” no mercado de trabalho recaiu sobre as faixas mais jovens de idade. O saldo praticamente nulo de empregos entre 2012 e 2021 resulta de um encolhimento da ordem de 6 milhões de ocupados, nas faixas de 14 a 29 anos, e de um acréscimo de igual monta nas faixas superiores de idade (Tabela 4.). A queda no número de ocupados jovens é aproximadamente duas vezes maior do que o declínio populacional projetado para esse grupo etário pela PNAD-C. Já a população acima de 30 anos cresceu mais de três vezes acima do número de ocupados na mesma faixa de idade. Ou seja, mesmo com o viés a seu favor, não resta dúvida de que faltaram empregos também para os adultos, inclusive para os diplomados de nível superior.

Esse processo de substituição maciça de jovens não-graduados por adultos graduados no mercado de trabalho não se explica nem pela variação demográfica nem pelo aumento de escolaridade da população. A redução do número de ocupados não-graduados, nas faixas de 14 a 29 anos, é sempre muito maior do que a da população correspondente (Tabela 5.). Já entre graduados, o número de ocupados cresce em todas as faixas de idade, mas entre os mais jovens, de 20 a 29 anos, a ocupação cresce em ritmo menor do que a população graduada como um todo; enquanto nos estratos acima dos 30 anos é o número de ocupados graduados que cresce à frente da população graduada como um todo. Qualquer que seja a explicação, o viés do mercado de trabalho em favor dos mais velhos opera mesmo quando se trata da força de trabalho de maior escolarização.

4. Mas o que fazem os jovens quando estão ocupados?

Os padrões de inserção no mercado de trabalho variam muito com a idade. No Brasil, o pico da atividade econômica – isto é, quando mais pessoas estão no mercado de trabalho, seja na condição de ocupadas, seja como desempregadas -, ocorre entre os 25 e os 49 anos. Neste intervalo de idade cerca de 90% dos homens e 70% das mulheres estão no mercado de trabalho em uma destas duas condições (PNAD/IBGE).

Entre os adolescentes, de 14 a 17 anos, a taxa de participação no mercado de trabalho vem declinando historicamente, com a urbanização e o aumento da inclusão escolar. Mesmo assim, cerca de 30% dos meninos e 20% das meninas estavam no mercado de trabalho em 2012, proporções que recuam para 20% e 10%, respectivamente, após a pandemia. Mesmo assim, a taxa de desemprego nessa idade dobrou, passando de 20% para mais de 40% (Tabela 6.). Entre os adolescentes que estavam ocupados, em 2021, apenas cerca de 13% tinham empregos com registro em carteira; 40% trabalhavam como assalariados sem contrato e 25% eram trabalhadores familiares sem remuneração (Gráfico 1.). Das 10 ocupações mais frequentes nessa idade (que juntas reúnem 50% dos ocupados, num rol de mais de quatrocentas ocupações listadas na PNAD-C), cinco correspondem a atividades na agropecuária (onde o trabalho familiar é muito relevante) e duas ao comércio (balconistas e vendedores de lojas e repositores de prateleiras); as demais são escriturários, cuidadoras de crianças e mecânicos de automóvel.

Em contraste, na faixa de 18 a 19 anos, quase 70% dos homens e 50% das mulheres estavam no mercado de trabalho, em 2012; e o recuo em relação a 2021 foi muito modesto (queda de menos de 10 pontos percentuais entre os homens e praticamente nula entre as mulheres). É nessa idade, portanto, que a maioria dos brasileiros começa a trabalhar, idade em que, como vimos, metade deles ainda não completou o ensino médio. As condições de inserção no mercado de trabalho tem um padrão também bastante diferente em relação aos adolescentes. A condição de trabalhador familiar auxiliar passa a representar menos de 10% das ocupações; o emprego assalariado formalizado alcança um terço dos vínculos e o assalariamento não formalizado quase outro tanto (Gráfico 1.). As dez ocupações mais frequentes nessa idade reúnem 40% dos ocupados, apenas 2 delas na agropecuária e 2 no comércio (as mesmas do grupo mais jovem). Entram na lista os escriturários, os trabalhadores elementares na construção civil, as recepcionistas, os padeiros e confeiteiros, os praças das forças armadas e os caixas e vendedores de bilhetes.

Na faixa dos 20 aos 24 anos, a participação dos jovens no mercado de trabalho atinge níveis similares aos dos adultos. Mais de 80% dos homens e mais de 60% das mulheres estão em atividade (ou como ocupados ou como desempregados em busca ativa por uma ocupação) e houve pouca variação entre o começo e o fim do decênio. Por isso mesmo, a taxa de desemprego dispara, saltando de 13% para 26%, entre não-graduados, e de e de 9% para 18% entre graduados. Nesta coorte de idade cerca de 50% dos ocupados são assalariados formais, aos que se podem somar outros 6% de servidores públicos, de modo que os vínculos formais de emprego atingem a maioria. Essa é a principal diferença em relação aos mais jovens. O emprego assalariado informal recua para perto de 20% e na condição de conta-própria ocupa-se 17% deles. Os trabalhadores familiares auxiliares praticamente desaparecem. A lista das dez ocupações mais frequentes (reunindo pouco mais de 40% do total de ocupados) é praticamente idêntica à dos grupo de 18 a 19 anos, apenas pela substituição dos padeiros pelos condutores de motocicleta, um provável reflexo da expansão dos serviços de entrega rápida, impulsionados durante a pandemia.

Finalmente, na faixa dos 25 aos 29 anos, chega-se ao pico em termos de atividade econômica: de 90% entre homens e 70% entre mulheres, praticamente sem oscilação entre 2012 e 2021. O desemprego, naturalmente, explodiu, passando de 9% para 18% entre os não-graduados e de 6% para 11% entre os graduados. O assalariamento formal atinge o mais alto nível entre todas as coortes de idade, chegando aos 48%, com o serviço público empregando pouco mais de 7%. A posição que se destaca agora é a de trabalhadores por conta-própria, que responde por um quarto do total de ocupados, nesta coorte de idade, enquanto o assalariamento sem carteira encolhe para 16%. Nessa idade, a diversificação ocupacional se amplia consideravelmente: as 10 ocupações mais frequentes congregam apenas 30% dos ocupados. Nessa lista, cinco ocupações são comuns aos estratos mais jovens: escriturários, balconistas e vendedores de lojas, trabalhadores elementares da construção civil, agricultores e trabalhadores qualificados em atividades da agricultura e caixas e expedidores de bilhetes. As outras cinco são: comerciantes de lojas (grupo composto exclusivamente por autônomos e empregadores), serviços domésticos, condutores de automóveis, táxis e caminhonetes, especialistas em tratamento de beleza e pedreiros.

5. Como o trabalho para jovens impacta os esforços para a elevação da escolaridade?

O contraste entre os quatro agrupamentos etários que compõem essa população que estamos chamando de jovem, entre os 14 e os 29 anos, revela diferenças importantes. Na faixa dos 14 aos 17 anos, em 2021, 95% dos jovens estavam frequentando a escola, enquanto cerca de 15% estavam no mercado de trabalho. A atividade econômica nesta idade está muito ligada à agricultura familiar e ao pequeno comércio; e no caso das meninas o trabalho doméstico e de cuidados também se destaca. Os vínculos de trabalho são essencialmente informais e em 2021 quase metade desses jovens encontravam-se em situação de desemprego. O fato de que tantos jovens nessa idade se mantenham no mercado de trabalho, mesmo quando as oportunidades desaparecem, indica o grau de carência a que provavelmente estão submetidos.

Ao cruzar o limiar da maioridade legal, o balanço entre estudar e trabalhar se altera radicalmente. Na faixa de 18 a 19 anos, apenas metade dos jovens continua estudando e metade já está em atividade no mercado de trabalho (60% entre os do sexo masculino). O abandono da escola nessa idade não significa, necessariamente, o fim da trajetória escolar desses jovens, muitos voltarão aos estudos posteriormente para completar o ensino médio e eventualmente prosseguir para um curso superior. Não é por outra razão que os brasileiros e brasileiras entre os 30 e os 39 anos apresentem proporções significativamente mais elevadas de graduados do que o grupo etário imediatamente anterior, o dos jovens entre 25 e 29 anos. Para os jovens que interrompem suas trajetórias escolares aos 18 ou 19 anos, grande parte sem ter concluído o ensino médio, a empreitada de retornar aos estudos mais adiante se torna bem mais complexa. A partir dos 20 anos a maioria já está plenamente inserida no mercado de trabalho e muitos já são arrimos de família, pais e, especialmente, mães. E se o projeto envolve a obtenção de um diploma de nível superior, a maioria terá que pagar por ele, o que torna a disponibilidade de renda um fator crucial. Os programas de financiamento estudantil, como o Prouni e o Fies, representam uma contribuição muito importante para que jovens e não jovens obtenham o diploma de nível superior, mas para a maioria não dispensam a necessidade de trabalhar.

Portanto, a dinâmica do mercado de trabalho deve ser vista como um componente chave a influenciar os esforços para a elevação da escolaridade em países como o Brasil. O nexo entre estudar e trabalhar precisa ser mais bem conhecido, para que possa ser incorporado ao conjunto de elementos que subsidiam as políticas de educação. Os dados que acabamos de apresentar sugerem – e não deve haver surpresa nisso – que entre os mais jovens, até os 19 anos, a necessidade de trabalhar atua em detrimento da necessidade de estudar, tanto assim que uma parte substancial dos jovens abandona a escola sem haver concluído o ensino médio, comprometendo severamente suas chances presentes e futuras de inserção no mercado de trabalho. Nessa idade, a maioria esmagadora dos jovens que trabalham está em ocupações informais, muito mal remuneradas e sujeitas a situações de exploração que simplesmente violam as leis do país (e não apenas as trabalhistas). Muitos não recebem remuneração monetária, porque auxiliam familiares ou realizam trabalhos domésticos ou de cuidados em casa de outras famílias em troca apenas de subsistência. É difícil imaginar que nestas condições qualquer associação entre trabalhar e estudar possa ser positiva. Para estas coortes é óbvio que a escolarização, de preferência em regime integral, deve ser a única prioridade.

Já para os jovens “mais velhos”, a partir dos 20 anos, o nexo entre trabalhar e estudar é mais complexo. Antes de mais nada, porque muitos deles e delas já são, para todos os efeitos práticos, adultos, com obrigação de gerar renda para seus domicílios, muitas vezes responsáveis por filhos ou parentes dependentes. Como vimos (Tabela 1.), quase 30% dos jovens entre 20 e 29 anos, no Brasil de 2021, não possuíam o ensino médio completo; na faixa dos 20 aos 24 anos apenas 7% possuíam um diploma de nível superior e 22% estavam cursando esse nível de ensino. A maior parte desses jovens, portanto, precisa continuar estudando e não é realista imaginar que se possa retirá-los do mercado de trabalho, enquanto terminam seus estudos. Assim como muitos não jovens também, eles terão que conciliar as duas atividades, como já fazem hoje os que conseguem.

Há muito que o sistema educacional pode fazer para ajudá-los e, de fato, já há políticas voltadas para isso. As políticas que levaram à expansão do ensino superior, as ações afirmativas e os subsídios estudantis, como Prouni e Fies, cumprem exatamente esses objetivos. Mas as políticas de permanência precisam avançar muito e as universidades públicas poderiam ser muito mais generosas na oferta de cursos noturnos do que são atualmente. Além disso, a baixa qualidade do ensino oferecido por muitas das instituições privadas de ensino superior precisa ser seriamente discutida e enfrentada. Da mesma forma, houve uma importante expansão, com interiorização, do ensino técnico, com resultados muito bons, porém, sempre aquém das carências existentes.

E a escola sozinha não vai resolver todos esses problemas. Muitas jovens mães não podem estudar (ou mesmo trabalhar) porque não têm creches onde deixar seus filhos, especialmente no período noturno. As dificuldades de mobilidade e o alto custo dos transportes urbanos também dificultam a vida de quem precisa estudar a noite. Os problemas são variados assim como são variados os contextos e escalas em que eles devem ser tratados (o bairro, o município, a região etc.).

Nada disso será suficiente, porém, se a economia do país não for capaz de gerar melhores empregos.

6. Como as desigualdades e o ingresso de jovens no mercado informal afetam a escolarização? Como políticas públicas podem transformar este cenário?

Além de nos perguntarmos o que fazem os jovens quando estão no mercado de trabalho, devemos nos perguntar também quem se beneficia de seu trabalho e o que acontece se, eventualmente, ele deixar de existir.

Os jovens, até os 20 anos, e os mais velhos, a partir dos 50, são contingentes particularmente sujeitos a relações de trabalho informais (assalariamento sem carteira, trabalho autônomo, auxiliar familiar), conforme vimos na pergunta quatro (Gráfico 1.). Se olharmos bem, veremos que o trabalho informal alimenta a maioria das cadeias de produção de bens e serviços. O comércio de rua faz circular os produtos das indústrias e as grandes redes de varejo de roupas lucram com o trabalho de costureiras formalmente autônomas, mas totalmente dependentes das encomendas e sujeitas a preços e prazos que não são elas que definem. O carvão produzido por trabalhadores em condições análogas à escravidão na Amazônia alimenta as aciarias norte-americanas e estão embarcados em modernos automóveis. É o trabalho das domésticas que permite aos profissionais de classe média se dedicarem prioritariamente às suas profissões. A encarnação mais recente dessa relação são as plataformas e aplicativos de trabalho, empresas muito capitalizadas que capturam renda e reorganizam, ao seu modo, setores de atividades caracteristicamente realizados ou pelo trabalho informal, como os serviços domésticos e de manutenção predial; ou por autônomos regulamentados, como os serviços de transporte de passageiros; ou ainda por empresas pequenas, como bares e restaurantes e serviços de motoboy. Em todos esses exemplos, suprimir a oferta abundante de força de trabalho (por exemplo, retirando os jovens e os idosos do mercado de trabalho e repondo a renda de que necessitam) é um elemento no mínimo tão importante quanto regulamentação e fiscalização para impedir que grandes negócios se façam sobre a exploração predatória da força trabalho.

Mas uma gigantesca parte da economia brasileira é formada por negócios realizados por trabalhadores autônomos, por pequenos empregadores, por grupos de sócios e por negócios familiares. Eles podem ser informais, formais ou ambas as coisas. Mobilizam muita força de trabalho, regular ou irregularmente, de forma constante ou sazonal, pagando sempre salários baixos; e são redutos preferenciais do emprego juvenil. São estabelecimentos de alimentação, oficinas mecânicas, sapatarias, salões de beleza, mercearias, bares etc.

Quando se fala em políticas de geração de empregos, a primeira coisa que vem à mente são as grandes políticas industriais e de atração de investimentos. Raramente se fala desse enorme circuito econômico formado por microempresas e negócios informais. E isso é um problema também para o objetivo de escolarizar adequadamente as gerações jovens.

A agricultura familiar oferece um bom caso para reflexão. Trata-se de uma atividade econômica da maior importância para o país, produzindo a maior parte dos alimentos que consumimos, com muito menos impactos ambientais do que a agricultura de grande escala. Mas é um setor que vem encolhendo década após década e cada vez mais se mantém pelo trabalho de pessoas que estão nos extremos do gradiente etário: os muito jovens e os mais velhos.

Nesses casos, a reposição, via programas públicos, da renda perdida pela supressão da força de trabalho dos jovens (que deveriam estar em tempo integral na escola) tem efeito limitado, porque o agricultor continuará a precisar de força de trabalho e não necessariamente terá recursos para contratá-la no mercado. Por si só, o encolhimento das coortes mais jovens, a enorme desigualdade de renda entre campo e cidade e a escassez de infraestrutura educacional e social em geral no campo, já ameaçam a continuidade destes setores. Para que políticas educacionais voltadas para a escolarização integral dos jovens não compitam com a sobrevivência dos negócios que sustentam suas próprias famílias, além de distribuir renda é preciso também distribuir capital e tecnologias adequadas a este modo de produção, para elevar sua produtividade e renda e permitir que gerem empregos de verdade; investir em redes de transporte e comercialização e cooperativas que libertem esses produtores dos grandes atravessadores etc. O mesmo raciocínio vale para muitas atividades urbanas também. Sem aumentar a produtividade e a rentabilidade desses negócios eles serão eternamente dependentes de mão-de-obra barata e indefesa. E se negócios como a agricultura familiar simplesmente desaparecerem, eles farão muita falta. Apoiá-los com investimentos e conhecimento é uma ótima forma de gerar melhores empregos, ainda que em menor número.

Sim, em menor número. Voltando ao início da discussão, a metade mais jovem do Brasil já está encolhendo; e mais rapidamente do que pensávamos, até poucas semanas atrás. A velha estratégia de crescer com base na exploração extensiva da população, guardando capital e conhecimento apenas para os andares superiores da economia - para os negócios estabelecidos - além de suas deficiências bem conhecidas e do desempenho sofrível da última década, vai esbarrar cada vez mais na reversão demográfica que já estamos atravessando. Teoricamente, estamos em pleno gozo do bônus demográfico. Olhando para a evolução do mercado de trabalho, na última década, é difícil não concluir que o estamos desperdiçando, de uma vez por todas.

Para encerrar, não custa lembrar da maior de todas as obviedades. São essas gerações de jovens - que foram tão duramente prejudicadas pelas políticas econômicas desse período e, de forma verdadeiramente dramática, pela pandemia e pela desastrosa reação do governo face a ela -, que vão carregar o país nas costas pelas próximas décadas, quando haverá muito menos jovens disponíveis para tarefas mal pagas e muito mais idosos necessitando de cuidados. O país só terá a colher, lá na frente, o que investir nelas, agora.

Alvaro A. Comin é professor no Departamento de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo).

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