O contraste entre os quatro agrupamentos etários que compõem essa população que estamos chamando de jovem, entre os 14 e os 29 anos, revela diferenças importantes. Na faixa dos 14 aos 17 anos, em 2021, 95% dos jovens estavam frequentando a escola, enquanto cerca de 15% estavam no mercado de trabalho. A atividade econômica nesta idade está muito ligada à agricultura familiar e ao pequeno comércio; e no caso das meninas o trabalho doméstico e de cuidados também se destaca. Os vínculos de trabalho são essencialmente informais e em 2021 quase metade desses jovens encontravam-se em situação de desemprego. O fato de que tantos jovens nessa idade se mantenham no mercado de trabalho, mesmo quando as oportunidades desaparecem, indica o grau de carência a que provavelmente estão submetidos.
Ao cruzar o limiar da maioridade legal, o balanço entre estudar e trabalhar se altera radicalmente. Na faixa de 18 a 19 anos, apenas metade dos jovens continua estudando e metade já está em atividade no mercado de trabalho (60% entre os do sexo masculino). O abandono da escola nessa idade não significa, necessariamente, o fim da trajetória escolar desses jovens, muitos voltarão aos estudos posteriormente para completar o ensino médio e eventualmente prosseguir para um curso superior. Não é por outra razão que os brasileiros e brasileiras entre os 30 e os 39 anos apresentem proporções significativamente mais elevadas de graduados do que o grupo etário imediatamente anterior, o dos jovens entre 25 e 29 anos. Para os jovens que interrompem suas trajetórias escolares aos 18 ou 19 anos, grande parte sem ter concluído o ensino médio, a empreitada de retornar aos estudos mais adiante se torna bem mais complexa. A partir dos 20 anos a maioria já está plenamente inserida no mercado de trabalho e muitos já são arrimos de família, pais e, especialmente, mães. E se o projeto envolve a obtenção de um diploma de nível superior, a maioria terá que pagar por ele, o que torna a disponibilidade de renda um fator crucial. Os programas de financiamento estudantil, como o Prouni e o Fies, representam uma contribuição muito importante para que jovens e não jovens obtenham o diploma de nível superior, mas para a maioria não dispensam a necessidade de trabalhar.
Portanto, a dinâmica do mercado de trabalho deve ser vista como um componente chave a influenciar os esforços para a elevação da escolaridade em países como o Brasil. O nexo entre estudar e trabalhar precisa ser mais bem conhecido, para que possa ser incorporado ao conjunto de elementos que subsidiam as políticas de educação. Os dados que acabamos de apresentar sugerem – e não deve haver surpresa nisso – que entre os mais jovens, até os 19 anos, a necessidade de trabalhar atua em detrimento da necessidade de estudar, tanto assim que uma parte substancial dos jovens abandona a escola sem haver concluído o ensino médio, comprometendo severamente suas chances presentes e futuras de inserção no mercado de trabalho. Nessa idade, a maioria esmagadora dos jovens que trabalham está em ocupações informais, muito mal remuneradas e sujeitas a situações de exploração que simplesmente violam as leis do país (e não apenas as trabalhistas). Muitos não recebem remuneração monetária, porque auxiliam familiares ou realizam trabalhos domésticos ou de cuidados em casa de outras famílias em troca apenas de subsistência. É difícil imaginar que nestas condições qualquer associação entre trabalhar e estudar possa ser positiva. Para estas coortes é óbvio que a escolarização, de preferência em regime integral, deve ser a única prioridade.
Já para os jovens “mais velhos”, a partir dos 20 anos, o nexo entre trabalhar e estudar é mais complexo. Antes de mais nada, porque muitos deles e delas já são, para todos os efeitos práticos, adultos, com obrigação de gerar renda para seus domicílios, muitas vezes responsáveis por filhos ou parentes dependentes. Como vimos (Tabela 1.), quase 30% dos jovens entre 20 e 29 anos, no Brasil de 2021, não possuíam o ensino médio completo; na faixa dos 20 aos 24 anos apenas 7% possuíam um diploma de nível superior e 22% estavam cursando esse nível de ensino. A maior parte desses jovens, portanto, precisa continuar estudando e não é realista imaginar que se possa retirá-los do mercado de trabalho, enquanto terminam seus estudos. Assim como muitos não jovens também, eles terão que conciliar as duas atividades, como já fazem hoje os que conseguem.
Há muito que o sistema educacional pode fazer para ajudá-los e, de fato, já há políticas voltadas para isso. As políticas que levaram à expansão do ensino superior, as ações afirmativas e os subsídios estudantis, como Prouni e Fies, cumprem exatamente esses objetivos. Mas as políticas de permanência precisam avançar muito e as universidades públicas poderiam ser muito mais generosas na oferta de cursos noturnos do que são atualmente. Além disso, a baixa qualidade do ensino oferecido por muitas das instituições privadas de ensino superior precisa ser seriamente discutida e enfrentada. Da mesma forma, houve uma importante expansão, com interiorização, do ensino técnico, com resultados muito bons, porém, sempre aquém das carências existentes.
E a escola sozinha não vai resolver todos esses problemas. Muitas jovens mães não podem estudar (ou mesmo trabalhar) porque não têm creches onde deixar seus filhos, especialmente no período noturno. As dificuldades de mobilidade e o alto custo dos transportes urbanos também dificultam a vida de quem precisa estudar a noite. Os problemas são variados assim como são variados os contextos e escalas em que eles devem ser tratados (o bairro, o município, a região etc.).
Nada disso será suficiente, porém, se a economia do país não for capaz de gerar melhores empregos.