A gestão de escolas e de redes de ensino, em 8 pontos

Priscilla Bacalhau
Atuação de gestores é o segundo fator mais importante dentro das escolas para promover a aprendizagem, atrás apenas do trabalho de professores. Entenda o que estudos dizem sobre o tema

A gestão escolar é apontada na literatura como o segundo fator intraescolar mais relevante em promover a aprendizagem e o desenvolvimento integral dos estudantes, ficando atrás apenas da atuação do professor em sala de aula. A gestão escolar atua como indutora das transformações na escola e do desenvolvimento acadêmico, por meio do foco no trabalho pedagógico, da geração de estímulos aos professores e à comunidade, do clima escolar, da cultura de altas expectativas, entre outras práticas de boa liderança.

Para que a gestão dentro da escola ocorra de forma efetiva, as instâncias superiores da gestão educacional — secretarias de Educação e suas unidades regionais — devem promover as condições necessárias para esse trabalho, como seleção e formação adequada dos gestores, e seguir boas práticas baseadas em evidências.

Apesar da relevância do papel da gestão, ainda há uma lacuna de estudos que estabeleçam relações de causa e efeito sobre os mecanismos pelos quais o trabalho de gestores escolares afeta a educação.

1. A gestão escolar afeta a qualidade da educação?

A gestão escolar pode desempenhar um papel importante na melhoria da aprendizagem dos estudantes, especialmente em contextos mais vulneráveis. Há evidências na literatura internacional de que a liderança é o segundo fator intraescolar mais efetivo para contribuir no alcance de melhores resultados educacionais, atrás apenas da atuação do professor em sala de aula, e evidências recentes apontam que seu impacto tenha sido subestimado.

Uma gestão efetiva pode também melhorar o clima escolar e diminuir desigualdades educacionais (como aconteceu no Brasil e na Itália), agindo de forma indireta por meio de outras características intraescolares que afetam os resultados dos estudantes, como práticas pedagógicas, estímulo a professores e clima escolar. Apesar de a gestão ser necessária para haver um salto de qualidade na educação, ela não é suficiente, pois depende dos outros fatores intraescolares.

Escolas e sistemas eficazes são geralmente associados ao estímulo da comunidade escolar por parte da gestão escolar, à corresponsabilização entre os níveis de gestão da educação e à consistência entre ações. Nesse ponto, a experiência do município de Sobral (CE) traz evidências de resultados significativos na melhora da qualidade de ensino por meio de reformas estruturais de gestão, incluindo o fortalecimento da autonomia administrativa, financeira e pedagógica das escolas e a seleção meritocrática da direção escolar.

2. Quais características da liderança escolar são relevantes?

Se, por um lado, gestão escolar importa, não é qualquer tipo de gestão que pode exercer influência positiva e induzir mudanças na escola para o sucesso dos estudantes. Algumas características e ações específicas exercidas pela liderança escolar estão mais associadas a resultados positivos do que outras. Exemplos de práticas bem-sucedidas encontradas em revisões de literatura e meta-análises 1 são:

Estabelecer metas e expectativas elevadas;

Desenvolver pessoas, em especial professores;

Construir uma gestão escolar baseada em evidências;

Planejar, coordenar e avaliar o ensino e o currículo.

Parte dessas características de liderança são associadas a experiências de sucesso no Brasil, que incluem outras boas práticas: adotar uma postura não conformista, comunicar objetivos em comum monitorados constantemente, e engajar todos os atores, além do foco no trabalho pedagógico. Porém, ainda há uma carência de políticas públicas no país estruturadas para apoiar a disseminação de ações efetivas de liderança.

3. Qual a importância de ações de formação dos gestores?

No Brasil, apenas cerca de 10% dos diretores de escola realizaram formação continuada em gestão escolar, de acordo com dados do Censo Escolar de 2019. Não há informações suficientes sobre a eficácia desses cursos em desenvolver competências efetivas de liderança e sobre a adequação do conteúdo às realidades escolares.

Análise de experiências na América Latina encontrou baixa associação entre os cursos de formação para gestores e o desenvolvimento de boas práticas de liderança. As conclusões levam à recomendação de que é necessário reformar as políticas de formação para que sejam mais efetivas e levem, por exemplo, ao desenvolvimento de capacidades locais.

Por outro lado, um estudo sobre cursos de formação nos Estados Unidos mostrou que eles culminaram em lideranças mais eficazes. A pesquisa apontou algumas características comuns entre esses cursos: foco na gestão pedagógica, alinhamento entre teoria e prática e apoio de mentores. O apoio de mentores também foi um caso de sucesso no estado do Ceará, que, com o Prêmio Escola Nota 10, incentivou os gestores de escolas com os melhores desempenhos de aprendizagem a prestar assistência técnica e promover a troca de experiência com os gestores das escolas com baixo desempenho.

4. Qual a forma mais efetiva de selecionar gestores escolares?

Além da formação, o processo seletivo dos gestores escolares é discutido como fator determinante para garantir que haja uma liderança efetiva, que priorize ações relevantes para o desenvolvimento dos estudantes.

Em 2019, dois terços dos diretores de escola das redes municipais brasileiras haviam chegado ao cargo por indicação ou escolha da gestão municipal, em detrimento de processos que envolvam concurso público ou eleição com participação da comunidade escolar.

Apesar de o processo de seleção dos gestores não gerar, necessariamente, impacto nos resultados educacionais, existem evidências que indicam que escolas municipais cujos diretores foram selecionados por indicação política apresentam impacto negativo no desempenho dos alunos, e esse resultado pode estar relacionado ao perfil do gestor selecionado. A alta rotatividade dos gestores indicados politicamente, impulsionada pelas eleições locais, também tem um papel relevante em gerar efeitos negativos.

Entre a realização de processo de seleção de diretores por concurso público ou por eleição pela comunidade escolar, não há consenso sobre qual geraria mais impacto. Uma combinação de ambos, com uma pré-seleção técnica seguida de eleição participativa, pode ser eficiente para selecionar líderes efetivos.

5. Qual o impacto da cultura de altas expectativas sobre os estudantes?

Uma avaliação experimental 2 realizada na década de 1960 testou pela primeira vez a existência do efeito-Pigmaleão nas salas de aula: a expectativa que os professores têm em relação aos estudantes pode afetar seu desempenho acadêmico?

O experimento consistiu em informar para os professores que determinados estudantes haviam atingido excelentes pontuações em um teste inteligência; contudo, essa informação não era verdadeira, e os estudantes apontados haviam sido escolhidos de forma aleatória. Ao final do ano letivo, os pesquisadores verificaram que, quando os professores acreditavam que os estudantes eram muito inteligentes, eles apresentavam melhora significativa nos resultados do teste de inteligência. Ou seja, ao elevarem as expectativas sobre os estudantes, os professores causaram impacto positivo no desempenho escolar.

Esse efeito, também conhecido como profecia autorrealizável, foi testado e novamente confirmado por vários estudos que associaram positivamente a expectativa ao desempenho dos estudantes. Aos gestores, assumindo o papel de líderes e catalisadores do clima escolar, cabe criar e manter uma cultura de altas expectativas na escola e na rede.

As diferenças de expectativas que gestores e professores têm sobre os estudantes podem levar ao agravamento de desigualdades educacionais. Elas ocorrem porque o diagnóstico feito sobre os estudantes é influenciado por estereótipos. Há evidências, por exemplo, da existência de vieses relacionados à discriminação racial: professores, em suas avaliações internas 3 , beneficiam com melhores notas os estudantes brancos em relação aos negros, mesmo quando todos têm o mesmo nível de proficiência segundo avaliações externas 4 . Ou seja, estudantes negros podem ser prejudicados pois seus professores não esperam que eles sejam tão bem-sucedidos quanto os colegas brancos.

6. Qual o papel dos órgãos centrais das redes de ensino?

Vários elementos são necessários para que as escolas sejam eficazes em desenvolver os estudantes de forma integral — e ter gestores que desempenham boas práticas de liderança é um deles. Mas, mesmo quando as escolas contratam gestores que são bons líderes e têm perfil e formação adequados, é preciso que o contexto da rede de ensino seja favorável e que os órgãos centrais da gestão educacional forneçam as ferramentas necessárias para o trabalho da liderança escolar.

Isso é relevante sobretudo para as redes públicas, uma vez que, nesses casos, a tomada de decisões — como a seleção de professores e a distribuição de recursos das escolas — muitas vezes está centralizada nas instâncias superiores.

Assim, cabe às instâncias superiores da gestão educacional de rede criar o ambiente necessário para desenvolver as características associadas à liderança efetiva. Sem essa atuação, que é imprescindível para a profissionalização da liderança escolar, o gestor escolar precisa ser (e é visto como) um ”herói” para conseguir promover mudanças para o bom funcionamento da escola.

No Ceará, uma reforma da gestão de rede que envolveu a oferta de assistência técnica à gestão municipal, um sistema de incentivos por resultados, a adoção de critérios técnicos para seleção de diretores e professores e, principalmente, o foco em aprendizagem em todas as instâncias levou à melhoria contínua dos resultados educacionais e à redução das desigualdades.

7. Qual o papel da supervisão das escolas pelas redes de ensino?

Uma estratégia possível para prestar assistência e apoio à gestão da escola é por meio de supervisores ou superintendentes (a nomenclatura e a função variam em cada estado no Brasil), que são funcionários lotados nas regionais de ensino das redes com o trabalho de realizar visitas, fiscalizar e acompanhar um grupo de escolas de sua região.

A qualidade da atuação desses atores pode afetar positivamente o desempenho acadêmico e comportamental dos estudantes. Em pesquisa de 2020 com as secretarias estaduais de Educação, mais de 60% delas afirmaram utilizar essa estratégia em suas redes de ensino. Nas secretarias onde a função do supervisor é mais de apoio à gestão escolar do que de fiscalização burocrática, há ainda mais expectativa de melhores resultados.

No Brasil, segundo evidências sobre as redes estaduais com o Programa Jovem de Futuro, supervisores podem afetar a qualidade da gestão das escolas por meio de competências desejáveis (tutoria, aconselhamento, intermediação entre rede e escola e orientação do processo de gestão), principalmente em estados onde transformações na gestão educacional estão estabelecidas há mais tempo.

8. Qual a importância das corresponsabilidades na gestão educacional?

Uma estratégia para garantir o direito à educação é estabelecer uma responsabilidade conjunta pelo atendimento e aprendizado de todos os estudantes em determinado território. A Constituição Federal e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) estabelecem o regime de colaboração como essa estratégia, definindo que os entes federados, em todos os níveis, devem trabalhar de maneira articulada para garantir o pleno direito à educação e implementar políticas públicas.

Para que esse sistema funcione de maneira eficiente, é preciso haver mecanismos coerentes de geração de incentivos, de maneira que cada instância da gestão educacional aja em direção à melhoria na qualidade do ensino. A cooperação entre estados e municípios possibilita maior equalização em recursos e capacidades administrativas e evita sobreposições e lacunas de responsabilidades. Da mesma forma, dentro da escola, se a liderança e o poder decisório estiverem concentrados em uma única pessoa — em geral, o diretor —, a tendência é que eventuais avanços não sejam sustentáveis.

A cooperação e corresponsabilização entre todos os níveis da gestão educacional será imprescindível no processo de recuperação da crise de aprendizagem agravada pela pandemia da Covid-19.

Priscilla Bacalhau é doutora em economia pela FGV EESP e foi pesquisadora visitante na Escola de Educação da Universidade de Stanford. Atua como consultora para a equipe de Educação do Banco Mundial e presta assistência técnica em avaliação de impacto pela FGV EESP Clear para Brasil e África Lusófona. É pesquisadora convidada do CPTE (Centro de Pesquisa Transdisciplinar em Educação) do Instituto Unibanco.

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