As zoonoses são doenças de origem infecciosa transmitidas dos animais para os humanos e vice-versa. Elas representam cerca de 75% das doenças infecciosas emergentes atuais. São muito comuns em áreas tropicais, devido à alta riqueza de espécies que ocorrem nessa região, e geralmente estão associadas a ambientes naturais. Porém, nem toda área natural representa risco potencial de transmissão dessas doenças. A ação humana é um fator essencial para determinar seu risco de transmissão, assim como a proximidade do ser humano com os ambientes naturais e, consequentemente, com os vetores transmissores dessas doenças.
Uma maior proximidade entre ambientes naturais e seres humanos ocorre geralmente em ambientes que estão sob forte pressão econômica, decorrente de commodities altamente rentáveis, como a extração de madeira, a criação de gado, a plantação de soja e cana-de-açúcar, etc. Em áreas tropicais, o principal fator associado à exploração dessas commodities é o desmatamento. Além de provocar a perda do habitat natural, o desmatamento provoca alterações nas comunidades de seres vivos que ali habitam, que acabam se tornando mais simplificadas e menos diversas. Poucas espécies conseguem sobreviver nesses ambientes alterados. Sem competição por recursos como alimento e abrigo, algumas delas acabam se tornando dominantes. Geralmente as espécies que conseguem sobreviver nesses ambientes são justamente as que carregam patógenos e que são reconhecidas como hospedeiros e vetores de doenças. Além de se tornarem mais abundantes, elas acabam se tornando também mais infecciosas, uma vez que a transmissão de patógenos entre essas espécies se torna mais exacerbada.
Além de serem ambientes degradados, dominados por espécies que transmitem doenças e que têm maior incidência de patógenos, as áreas que estão sob pressão econômica e do desmatamento são mais próximas dos seres humanos. Isso acontece porque a exploração das commodities em florestas tropicais também está associada ao fluxo migratório de pessoas, que muitas vezes têm condições vulneráveis de trabalho e residem em moradias precárias no local. O trabalho proporciona maior contato com os reservatórios de doenças e as habitações ficam próximas às bordas de mata, que concentram olhos d'água ou pequenos rios utilizados como fonte para alimentação e banho. Fica instalado então o microcosmo perfeito para o surgimento de uma doença zoonótica, ou o “spillover” (transbordamento, em inglês) de um patógeno de um animal para um ser humano. Tal microcosmo tem se multiplicado por diversas florestas tropicais na Amazônia, na África subsaariana e no Sudeste Asiático.
Esse microcosmo é um “laboratório natural” para a emergência de novos agentes etiológicos, onde na maioria das vezes nada acontece – os agentes infecciosos silvestres não conseguem “invadir” a população humana e se mantêm restritos aos ciclos silvestres. Porém, quando surge um parasito silvestre que consegue se fixar nas pessoas, transmitido como consequência de comportamento ou característica comum de humanos, tem-se um “acelerador de start-up” zoonótica. Na história pregressa recente, vimos isso acontecer com as epidemias de Ebola no oeste da África em 2014 e de febre amarela no Brasil em 2016 e 2018. Em ambos os casos, uma linhagem geneticamente diferente do vírus original apareceu e causou ondas epidêmicas em populações de indivíduos suscetíveis e sem resistência, e em ambos os casos a ação humana facilitou esse processo. Provavelmente, o surgimento do Sars-CoV-2 (nome do novo coronavírus) em uma floresta tropical do Sudeste Asiático originou-se pelo mesmo processo.
Aqui, tentamos responder a algumas perguntas já solucionadas pela ciência para esclarecer e exemplificar o que sabemos e como podemos utilizar esse conhecimento para evitar novos surtos de doenças. Especificamente, esperamos que fique bem claro que a prevenção de novas epidemias está condicionada principalmente à conservação dos biomas tropicais e de sua biodiversidade.