Depois dos critérios de Hill, uma grande diversidade de abordagens, dentro do paradigma de fatores de risco, foi proposta para identificar os mecanismos de causa e efeito. Elas ajudaram a estender ainda mais as discussões, às vezes filosóficas, da causalidade em saúde.
Entre essas abordagens, uma das mais notáveis é o modelo de causas suficiente/componente proposto pelo epidemiologista Kenneth Rothman 4. Segundo o médico, para a ocorrência da doença é necessário um conjunto de causas componentes. Tais causas componentes vêm a ser os eventos, condições ou características que necessariamente precedem os sintomas da doença. Dentro dessa lógica, não há uma causa única específica para cada doença. Ao contrário, a ocorrência de uma doença é decorrente de um conjunto mínimo de causas componentes que, ao ser constituído, é chamado de causa suficiente.
Rothman também diz que uma causa componente de uma doença é aquela que pode contribuir para um ou vários mecanismos causais, enquanto a causa necessária é o tipo de causa componente que deve estar presente em todo mecanismo de causa suficiente para que a doença ocorra.
Por exemplo, existem pessoas portadoras de Sars-CoV-2 que não desenvolvem a doença covid-19. Se outra pessoa, portadora de diabetes e com idade acima de 70 anos, entrar em contato com esse portador assintomático de Sars-CoV-2 , poderá desenvolver a doença. A infecção por Sars-CoV-2 é uma causa necessária, pois deve estar presente para que a covid-19 ocorra. Em outras palavras, a soma de várias causas componentes (diabetes, elevada longevidade) com a causa necessária (Sars-CoV-2 ), resulta em causa suficiente para o aparecimento da covid-19. Outro exemplo, a ocorrência de malária em uma localidade pode estar associada à desnutrição e à baixa escolaridade, mas, para que essas causas componentes tornem-se mecanismo causal suficiente, necessita-se da presença da causa necessária (que é a transmissão e circulação de plasmódios nessa população).
Uma das implicações decorrentes do modelo de Rothman é, a concepção multicausal dos processos de saúde-doença. Outras implicações são listadas a seguir:
- Força dos efeitos: todas as causas componentes envolvidas no surgimento de um caso de uma doença são igualmente importantes;
- Interação entre causas: causas componentes atuam na mesma causa suficiente;
- Proporção da doença por causas específicas: é impossível separar o quanto cada causa componente sozinha pode causar de doença;
- Período de indução: deve haver um tempo entre a ação causal e o início da doença.
Como explicado no início deste texto, a partir da observação perspicaz de John Snow durante a investigação da epidemia de cólera em Londres, 1854, tornou-se possível (1) conhecer que existem seres vivos microscópicos, (2) que seres vivos microscópicos podem causar fenômenos macroscópicos (cólera em humanos) e (3) se atenuados, esses microrganismos poderiam induzir a defesa imunológica em indivíduos saudáveis (vacinação).
A emergência da civilização humana moderna está atrelada à capacidade de prevenir e curar doenças. Para além das vacinas, temos como exemplos os antibióticos e, mais recentemente, os antivirais. Com a detecção de genes causadores de doenças, estão também sendo propostas as terapias gênicas. Terapias gênicas, ou “transplantes de genes”, são inserções de genes em células adultas do corpo humano. A inserção desses genes faz uma reprogramação na célula que passa a agir de forma diferente para determinado fim. Por exemplo, a inserção de genes em célula de defesa para produzir substância tóxica e específica para combater células cancerosas na pele (melanomas). A terapia gênica também pode ser feita, teoricamente, em células germinativas (óvulo ou espermatozóide) para buscar a cura de doença nos filhos de um casal com algum problema de saúde. De todo modo, a terapia gênica ainda lida com muitos dilemas éticos e restrições governamentais.
A causalidade em saúde possui ideias e modelos que mostram a diversidade e a complexidade do tema. Compreender a construção histórica do modelo de causalidade em saúde nos mostra a capacidade humana de observar os problemas e propor soluções. Importante notar que, no entanto, essa construção histórica também nos mostra que os avanços somente são percebidos em longo prazo. Por exemplo, o Sars-CoV-2,apareceu na população humana ao final de 2019. Em março de 2020, líderes mundiais, como Donald Trump, já estavam cobrando os cientistas sobre uma vacina. É claro que falta a esses líderes a compreensão histórica sobre causalidade em saúde. Assim, poderemos esperar uma vacina segura e eficaz somente ao longo do tempo. Tal conhecimento garante ao indivíduo comum, a sabedoria daqueles que possuem paciência e perseverança. Ao mesmo tempo em que, beneficia cidadãos de países liderados por esses sábios, tão raros hoje em dia, a enfrentar os desafios que as doenças e os eventos de saúde impõem para as civilizações humanas.