Não, mas essa questão é bastante controversa. Pelas regras eleitorais brasileiras, os parlamentares não disputam em um distrito territorial pequeno, como ocorre no caso de sistemas políticos com distritos uninominais (em que se elege só um representante em cada distrito), como nos Estados Unidos ou na Inglaterra. Nesses casos é fácil identificar que legisladores procuram levar políticas para o eleitorado do seu distrito, o que os especialistas chamam de pork barrel, geralmente orientado para grupos amplos de eleitores ou regiões da cidade. A ausência de predefinição de território ou grupo de eleitores, entretanto, não significa que vereadores não atuem para construir redutos informalmente, territoriais ou não. Isso não está estabelecido na literatura brasileira por razões conceituais e metodológicas.
Definições precisas de clientelismo buscam delimitar trocas contingentes (nas quais o bem pode ser retirado) de benefícios específicos por voto em trocas monitoradas, num processo em que o político sabe se o voto que pediu foi efetivado. Se os benefícios não são divisíveis entre eleitores ou ao menos entre grupos de eleitores, não é possível discriminar quem está no acordo, portanto, ficam inviáveis a troca contingente e o seu monitoramento. Por essa razão, boa parte do que a literatura chama de clientelismo é na verdade pork barrel, quando políticos distribuem benefícios relativamente amplos, mas sem ter certeza do que receberão. É óbvio que políticos sempre têm expectativa de reciprocidade eleitoral, mas em muitos casos não têm como controlá-la.
Além disso, metodologicamente, muitos autores associam a clientelismo, por definição, a destinação de políticas a áreas específicas da cidade. Categorizam, por exemplo, a construção de um hospital como uma política “para toda a cidade” e a pavimentação de ruas como algo que beneficia apenas um grupo pequeno, sendo a segunda adjetivada como “clientelista”. Evidentemente, o hospital atende a um número maior de pessoas, mas esses estudos partem do princípio de que há “interesses particulares” visando ao voto na pavimentação, mas não no hospital. Entretanto, os interesses na política são sempre particulares, e a busca pelo voto sempre está pressuposta em carreiras políticas. Além disso, como as políticas na cidade são sempre espacializadas, invariavelmente, algumas localidades (e seus moradores) são beneficiadas em detrimento de outras. Se um vereador atuou para levar um equipamento público a uma região é porque ele tem interesse em conectar-se com tal localidade, embora isso não signifique clientelismo, que pressupõe troca contingente e monitorada.
O vereador recebe tanto demandas para a construção de grandes equipamentos como políticas menores e mais localizadas, e ambas as demandas são legítimas. Ao procurar construir seu eleitorado, ele poderá atuar dentro de suas estratégias e no âmbito legal para influenciar quaisquer tipos de políticas, seja negociando com o prefeito ou colocando recursos de emendas parlamentares. A disputa pela alocação de recursos e equipamentos públicos da cidade faz parte do processo político. Podemos discutir os efeitos que isso gera em termos de desigualdade entre bairros ou regiões, mas essa é uma avaliação que deve ser feita após compreendidos os processos políticos dessas disputas, ao invés de criminalizar a política. Embora isso possa ser feito de maneira clientelista, essa é uma possibilidade entre outras, por meio de práticas que não se confundem.