Decrescimento: uma alternativa para o Brasil?

Gustavo Onto e Lucas Walmrath
Cada vez mais, acadêmicos e ativistas defendem que o crescimento econômico está na raiz dos problemas sociais e ecológicos

Na manhã do dia 15 de maio deste ano, Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, foi a primeira autoridade a falar em Bruxelas durante a abertura da conferência Beyond Growth (Além do Crescimento). Dirigindo-se ao público que lotava a plenária do Parlamento, a maltesa iniciou dizendo que a conferência era um importante passo para a Europa estabelecer seu compromisso "não apenas com a [preservação da] natureza, mas também com o crescimento econômico". Imediatamente as risadas tomaram o auditório. Um participante comentou com o colega ao lado: "É uma religião". Sem entender o motivo das reações e o próprio público que a assistia, a parlamentar continuou seu discurso defendendo as medidas que estavam sendo adotadas pela União Européia, com o apoio do Parlamento, para garantir um "crescimento econômico sustentável".

Os demais dias da conferência organizada pelo Partido Verde Europeu, envolvendo mais de quatro mil participantes, foram bem diferentes. Muitas palestras aplaudidas e elogiadas sobre a necessidade do fim de combustíveis fósseis, a ilusão das tecnologias de captura de carbono, os riscos trazidos pelo Antropoceno, a insuficiência dos indicadores econômicos, o colonialismo das estratégias de crescimento econômico, as possibilidades da economia circular e os projetos de transformação do sistema financeiro e monetário. Com um público diverso de ativistas, acadêmicos, estudantes, políticos e demais engajados na política climática e econômica européia e global, a conferência foi considerada um marco por reunir um conjunto inédito de defensores do decrescimento – a proposta de redução planejada do uso de energia e recursos materiais nos países de alta renda, ao ponto de tornar ecologicamente sustentável a sua reprodução e diminuir as desigualdades. O evento também revelou como o decrescimento tem se tornado uma utopia concreta para o campo da esquerda, ao menos na Europa.

A recente notoriedade das ideias e propostas do decrescimento coloca algumas questões para o Brasil depois de um longo período de crise econômica e desastres ecológicos. No momento em que o governo federal lança o novo Programa de Aceleração do Crescimento como marca da administração, em que medida a agenda do decrescimento ou pós-crescimento é uma alternativa ou um ideal para o país?

Como tem sido relatado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), está para além de qualquer dúvida o papel dos países mais industrializados no aquecimento global e na degradação ambiental. A questão é qual caminho deverá ser trilhado na transição para uma economia de baixo carbono nesta década, tida como crucial para a sobrevivência dos ecossistemas e da vida de bilhões de pessoas.

A perspectiva do decrescimento ou do pós-crescimento sustenta a necessidade da transição para uma economia que não cresce, mas, paradoxalmente para nosso modo de viver, gera mais bem-estar econômico e maior possibilidade de justiça socioambiental

A abordagem atualmente adotada por nações, corporações e órgãos intergovernamentais para lidar com a crise ecológica se apoia na ideia de uma "economia verde". Promovida por políticas de desenvolvimento sustentável e, mais recentemente, pelas práticas de Environmental, Social and Corporate Governance (ESG), a aposta se baseia em soluções financeiras (como créditos de carbono e reconversão de dívidas) e, principalmente, tecnológicas para os problemas ambientais, na esperança de atingir uma forma de “crescimento verde”. Tecnologias de captura de carbono, veículos elétricos, reciclagem e fontes de energia renováveis, por exemplo, permitiriam o chamado desacoplamento (decoupling) – ou seja, um aumento do crescimento econômico concomitante a uma redução progressiva das emissões de carbono. Em outras palavras, o modo de vida pouco mudaria em sua essência, garantindo, ao mesmo tempo, as benesses do crescimento econômico e a recuperação da degradação ambiental generalizada.

No entanto, a emissão de carbono é apenas uma consequência de transformações muito mais amplas e preocupantes na biosfera do planeta. O crescimento econômico, como mostram os economistas ecológicos, mesmo que possa ser realizado com menor emissão de gases de efeito estufa, requer o uso contínuo de recursos e materiais. A extração ainda crescente de combustíveis fósseis, minerais, água, areia e todo tipo de biomassa para produzir produtos, serviços e infraestruturas destrói o meio ambiente de muitas maneiras, em um ritmo no qual a reposição dos estoques naturais não está contemplada, algo alertado e previsto com incrível precisão desde os anos 1970. Por exemplo, carros elétricos, apesar de não emitirem gases de efeito estufa no seu uso, consomem recursos naturais finitos para serem produzidos.

Nos últimos anos, acadêmicos e ativistas têm demonstrado que o colapso climático-ambiental em curso está necessariamente ligado à busca do crescimento econômico. Pesquisadores propõem limitar o crescimento dos países do Norte Global de modo geral, e das suas classes abastadas em particular, como única alternativa real para evitar uma catástrofe socioambiental. Para que o aumento da temperatura média global não ultrapasse 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais até meados do século, conforme estipulado no Acordo de Paris, seria necessário reduzir pela metade as emissões de carbono até 2030, segundo o IPCC. Uma proposição ousada e polêmica para muitos, o decrescimento vem ganhando apelo, em particular em países europeus. No Japão, o filósofo Kohei Saito tornou-se um bestseller nos últimos anos escrevendo livros sobre o tema. A proposta vem sendo considerada pelo próprio IPCC como uma das opções de políticas públicas que precisam ser adotadas no enfrentamento da crise ambiental.

O decrescimento vai de encontro às fundações modernas da teoria e da prática econômica, desafiando as noções de progresso e bem-estar. Afinal, o crescimento econômico se tornou um verdadeiro paradigma, um ideal que atravessa o senso comum dos cidadãos modernos, pobres e ricos. Desde a Segunda Guerra Mundial, com a invenção de indicadores econômicos nacionais, como o Produto Interno Bruto, o crescimento da economia passou a representar o progresso de uma nação e uma tradução de força na política internacional. Também é o fim almejado por políticos que buscam estabilizar as relações sociais em seus territórios, garantindo benefícios a classes altas e baixas e, assim, reduzindo possíveis conflitos distributivos. Deixar de buscar o crescimento seria entendido como uma forma da sociedade abdicar das possibilidades futuras de abundância material e liberdade individual, como explica o filósofo Pierre Charbonnier.

A agenda do crescimento verde parece tentar lidar politicamente com a dificuldade de superar esse paradigma enraizado em todas as dinâmicas sociais. Porém, para partidários do decrescimento, crescer de forma "sustentável" é uma ilusão. Um reequilíbrio ecológico seria possível somente com uma série de transformações em nossos meios de subsistência e sistemas de provisões sociais. A expansão das energias renováveis (como a solar e a eólica) e o fim da extração de combustíveis fósseis são apenas os primeiros passos para reduzir formas de produção desnecessárias. Seria preciso também desmercantilizar setores como saúde, transporte, educação e saneamento para limitar sua expansão para fins exclusivamente econômicos. O uso de práticas agrícolas regenerativas e locais, a construção de habitações e políticas urbanas sustentáveis são imprescindíveis. Políticas fiscais e tributárias progressivas devem ser implementadas para permitir a provisão pública de serviços essenciais que sejam ecologicamente sustentáveis e equitativos.

É consensual na literatura do decrescimento que garantir uma vida digna e com abundância para bilhões de pessoas é plenamente possível dado que são os mais ricos os maiores responsáveis pelos impactos ambientais. Neste sentido que a agenda de pesquisa propõe restrições ao consumo excessivo, incluindo a eliminação de indústrias e setores ecologicamente destrutivos – jatos particulares, turismo de massa, indústria automotiva etc. – e regulando a publicidade e a obsolescência programada.

Todas essas políticas e medidas não são simplesmente uma forma de reformar nosso atual sistema econômico. Antes, são passos para transformá-lo completamente. Diferentemente dos defensores do crescimento verde, estudiosos do decrescimento entendem que a atual crise ecológica está necessariamente relacionada ao funcionamento da nossa economia capitalista, que se sustenta por meio do crescimento contínuo. Para eles, o objetivo seria planejar uma transição democrática e justa para uma economia pós-capitalista.

Se a agenda do decrescimento é voltada para as nações com maior consumo per capita de energia e materiais, qual seria sua importância para países como o Brasil? Uma das respostas dadas por ativistas e acadêmicos é a de que muitos destes países disporiam de uma "cota" de crescimento socialmente justificada (sua “parcela” da atmosfera e dos recursos naturais). As questões mais centrais que esta agenda parece impor se referem à forma e ao objetivo do crescimento: para que fins, para quem e, principalmente, a que custo social e ambiental.

Dada a desigualdade crônica brasileira, há bons argumentos para a tese de crescimento em certos setores e atividades, enquanto se diminui (e se compensa) o crescimento em outros, como o avanço da fronteira agropecuária na Amazônia. Nesse sentido, é possível apontar que o Brasil tem expertise com políticas públicas diversas que poderiam servir até mesmo de modelo para o mundo. Basta pensar em exemplos como o Sistema Único de Saúde (SUS) e demais políticas de assistência social, além do arcabouço jurídico acerca da renda básica universal no país já validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante a pandemia, uma vez que programas como o Bolsa Família são restritos a públicos-alvo bem delimitados. Um outro ponto que poderia nortear as políticas públicas no Brasil é um programa de obras públicas infraestruturais, voltadas para proteger as cidades dos quase inevitáveis efeitos das mudanças climáticas. O transporte público amplo e gratuito, elétrico de preferência, seria também uma medida anti-crescimento, ecológica e garantidora do bem-estar social urbano.

Propostas como essas se alinham e complementam outras, como a garantia de empregos públicos verdes (green job guarantee), focalizadas, dentre outros, no reflorestamento de áreas devastadas, na arborização de cidades, na construção e manutenção de parques, diques, canais e contenções. Ampliando o leque de possibilidades, é possível incluir todo o debate sobre iniciativas alimentícias. Em tempos de retorno ao mapa da fome, programas como estoque de alimentos e incentivos à agricultura familiar seriam bons exemplos de um crescimento econômico justificado, ainda mais se complementado com medidas que penalizassem o agronegócio industrial pouco sustentável. Em tons keynesianos, estas medidas atuariam gerando empregos e garantindo o cuidado das comunidades, ao mesmo tempo que economizariam custos socioambientais futuros previsíveis.

No entanto, medidas como essas encontram muita resistência técnica, econômica e, principalmente, política. Por enquanto, ainda faltam evidências de um grande compromisso verde, nos termos ousados dos decrescimentistas, na agenda do novo governo. Um exemplo disso são as críticas ao conteúdo supostamente verde da agenda do novo PAC. Também ainda não se sabe como o projeto de transição ecológica do Ministro Fernando Haddad irá ser implementado. A alardeada reforma tributária, por exemplo, tem como grande mote, não surpreendentemente, o crescimento econômico a ser possibilitado com uma menor burocracia para empresas e empresários. Por sua vez, a segunda parte da reforma, de tons propriamente redistributivos e menos sintonizada ao objetivo do crescimento, terá vida difícil até uma eventual aprovação. Além disso, o governo deixou bem clara sua predisposição industrialista. Mesmo quando se fala em Amazônia, não é raro que as propostas do governo se incluam ainda em uma ideia subjacente de crescimento verde e sustentável, se beneficiando da biodiversidade local e da geração de emprego e renda com produtos tropicais.

A perspectiva do decrescimento ou do pós-crescimento sustenta a necessidade da transição para uma economia que não cresce, mas, paradoxalmente para nosso modo de viver, gera mais bem-estar econômico e maior possibilidade de justiça socioambiental. Como o planeta não sustentará crescimento econômico por muito mais tempo, a questão é saber se essa transição será provocada na emergência das catástrofes ou se ela será feita de modo planejado e democrático. Sendo o crescimento econômico objetivo central do novo governo, que seja pensado sempre como um meio e não como um fim em si mesmo.

Gustavo Onto é coordenador do Documenta (Laboratório de antropologia do Estado, regulação e políticas públicas) e pesquisador do NuCEC (Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia), ambos na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional, desenvolve pesquisas etnográficas sobre formas de regulação ou governo da economia.

Lucas Lemos Walmrath é doutorando em Sociologia no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É pesquisador-assistente nos núcleos Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (DTA) e Brazilian Research in Auto Industry (BRAIN). Desenvolve pesquisas nos campos da Sociologia Econômica e da Sociologia do Trabalho.

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