Dia 07 de agosto de 2023. Segunda-feira. Thiago Menezes Flausino, 13 anos, andava de moto com um colega na Cidade de Deus quando foi assassinado. A primeira bala o atingiu na perna. Em seguida, consoante relatos de moradores, foi executado com tiros à queima roupa. O menino, que sonhava em ser jogador de futebol, foi barbaramente morto por policiais militares em uma operação policial na favela onde morava.
Assim começou o mês mais sangrento de 2023 nas favelas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, entre 1º de janeiro e 22 de agosto de 2023 houve vinte e quatro mortes de crianças e adolescentes por armas de fogo – 7 crianças e 17 adolescentes. Destas, oito ocorreram apenas em agosto. Isto representa um aumento de 50% das mortes quando comparado com 2022.
12 de agosto de 2023. Sábado. Eloah Passos da Silva, 5 anos, estava em seu quarto brincando, no Morro do Dendê, na Ilha do Governador, quando foi baleada por um tiro no peito. A menina morreu quando estava ocorrendo uma incursão policial na favela onde residia, transcorrida para deter um protesto como consequência à morte de Wendel Eduardo de Almeida, 17 anos, também morto neste dia – cujo tiro atingiu o peito e a mão do adolescente – da mesma forma que Thiago, à queima roupa por policiais militares.
Apesar de estarmos em um governo executivo federal progressista cujo chefe do executivo é Luiz Inácio Lula da Silva, o genocídio negro e a violência policial, por serem sistêmicos, estão inseridos em uma política de segurança pública ainda pautada por valores da extrema-direita
Exatamente um mês após o assassinato de Thiago, em 07 de setembro, Heloísa dos Santos Silva, 3 anos, foi baleada na nuca e na coluna pela Polícia Rodoviária Federal, enquanto estava no carro de sua família no Arco Metropolitano, Baixada Fluminense, voltando para a sua casa, em Petrópolis. Ela permaneceu no hospital durante nove dias em estado grave e não resistiu.
Estes casos são apenas alguns exemplos utilizados para exprimir a materialização da política de segurança pública implementada pelo governo Cláudio Castro (PL). O governador do Estado do Rio de Janeiro compreende que esta política, ao que se refere a favelas, está correta: as operações policiais servem para libertar o povo de traficantes, segundo Castro. “O Rio de Janeiro não será laboratório ou faculdade do crime”: com essas palavras o governante defende as incursões de policiais militares e civis aos territórios periféricos do Rio de Janeiro.
Este discurso é legitimado pela população fluminense, conservadora e defensora da máxima criminalizante a moradores de favelas de ‘que bandido bom é bandido morto’, afinal na favela só há bandido. Há uma legitimação populacional a um governo o qual representa a extrema-direita, reeleito por mais quatro anos (2022-2026), o que expõe de forma crua o conservadorismo dos fluminenses.
O que esperar de uma sociedade que naturaliza e normaliza a interrupção brusca de vidas de crianças e adolescentes cotidianamente em seus becos e vielas pelas polícias pelo fato de serem pretos, pobres e periféricos? Quais valores estão impressos nesta sociedade? Para além de uma política de segurança pública focada em matar e não em proteger cidadãos, temos também um problema social no que se refere a valores societais, uma vez que estes estão impregnados por práticas e discursos de ódio típicos da extrema-direita.
Apesar de estarmos em um governo executivo federal progressista cujo chefe do executivo é Luiz Inácio Lula da Silva, o genocídio negro e a violência policial, por serem sistêmicos, estão inseridos em uma política de segurança pública ainda pautada por valores da extrema-direita. Então, põe-se como desafio ao terceiro governo Lula o de incidir no campo da segurança pública com uma perspectiva de construção de novos paradigmas para esta pasta, focados justamente na proteção aos cidadãos e pelo fim da militarização das polícias militares.
O campo progressista tem a urgência extrema de retomar para si o protagonismo na disputa de narrativas as quais incidem no debate público e decidem os rumos eleitorais do país. Ano que vem é ano eleitoral. Prefeituras brasileiras seguirão governadas por bolsonaristas em sua maioria ou recuperaremos, enquanto campo progressista, as rédeas dos executivos municipais, as quais influenciam diretamente a política nacional, ou levaremos para 2026 o medo de eleger um representante da extrema-direita?