A pecuária bovina ocupa um espaço enorme na economia brasileira. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o rebanho brasileiro é de 234,4 milhões de cabeças, e entre 2021 e 2022 o crescimento foi na ordem de 4,3%. Uma grande parte deste rebanho vive na região amazônica. Esta atividade é, sem dúvida, muito relevante para as economias regionais, mas a pecuária bovina extensiva praticada em larga escala ainda é caracterizada pela baixa produtividade, degradação do solo, e, portanto, responsável por uma alta proporção das emissões de gases de efeito estufa, sendo o principal deles o metano, derivado da fermentação entérica.
Há que se considerar ainda o impacto da mudança de uso da terra para implantação de áreas de pastagem, e uma superfície razoável de pastos degradados ou com algum grau de degradação que precisam ser recuperados. Embora uma parte da conversão de vegetação nativa seja parte do processo de grilagem de terras e não para fins genuinamente produtivos, médios e pequenos produtores de gado não alcançados pelas políticas públicas ainda praticam uma pecuária precária e de altas emissões.
No sentido da reversão deste quadro, há dois movimentos em curso que dão sinais de aceleração. Em primeiro lugar estão os compromissos assumidos pela indústria da carne para pôr fim ao desmatamento ilegal, promover o desmatamento zero e a rastreabilidade de toda a cadeia produtiva.
Mas para além de eliminar o desmatamento e rastrear o rebanho, é preciso escalonar os modelos produtivos já detalhadamente descritos pela ciência brasileira, e que têm o potencial de colocar a atividade na trilha das baixas emissões e da responsabilidade ambiental. Eles envolvem a intensificação, o pastoreio rotativo, a melhoria genética e a diversificação de pastagens.
O TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) da Carne, inicialmente acordado entre frigoríficos do Pará e Ministério Público Federal e depois expandido para outros estados, e o Compromisso Público da Pecuária, firmado entre os três maiores frigoríficos atuantes na Amazônia e o Greenpeace, ambos de 2009, são um marco no estabelecimento de compromissos socioambientais dos frigoríficos e do reconhecimento público de suas responsabilidades na construção de uma cadeia livre de desmatamento e de trabalho escravo.
Para além de eliminar o desmatamento e rastrear o rebanho, é preciso escalonar os modelos produtivos já detalhadamente descritos pela ciência brasileira, e que têm o potencial de colocar a atividade na trilha das baixas emissões e da responsabilidade ambiental
Com a finalidade de garantir e acelerar a implementação desses compromissos, surgiu em 2018 o programa Boi na Linha, uma parceria entre o Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e o Ministério Público Federal. A iniciativa funciona como um espaço de articulação entre os diversos atores da cadeia - produtores de gado, frigoríficos, supermercados, investidores, atores públicos e organizações da sociedade civil - e tem como foco padronizar os protocolos de monitoramento de fornecedores e de auditoria dos compromissos, e aumentar a transparência sobre os avanços do setor.
Com o passar dos anos, mais frigoríficos se tornaram parceiros da iniciativa e em 2023 a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne) anunciou a adesão ao programa e seus protocolos, estendendo na prática o monitoramento e futuras auditorias para todos seus associados, que ocupam outros biomas do Brasil para além do território Amazônico. Também em 2023 foi concluído o processo de unificação do procedimento de auditoria, o que significa que todos os frigoríficos signatários do TAC, em todos os estados amazônicos, devem seguir os mesmos procedimentos e reportar os resultados de forma padronizada. Essa construção se deve à coordenação de diversas ações de organizações da sociedade civil, pesquisadores, procuradores da república e secretarias estaduais de meio ambiente, e revela uma nova governança estabelecida sobre o tema.
São notórios os avanços nos últimos anos. Mas ainda resta o desafio de envolver todos os elos da cadeia da carne bovina. Enquanto os fornecedores diretos, que são as fazendas que se ocupam da fase de engorda, conseguem ser controlados quando há acordo e implementação, os chamados fornecedores indiretos, que se ocupam da fase de cria e recria, e que podem ser muitos, ainda não foram alcançados. Por isso, criar as condições para uma cadeia bovina integralmente rastreada e certificada é central para a sustentabilidade desta atividade econômica.
A rastreabilidade e o controle ao longo de toda a cadeia também são primordiais para o que se entende por uma pecuária regenerativa. E não há como falar em modos produtivos mais sustentáveis e regenerativos sem pensar nos mecanismos que deverão ser empregados no processo de reinclusão de produtores que estão fora dos padrões.
Devido à importância da pecuária bovina de corte e de leite nos rincões do Brasil, simplesmente excluí-los da cadeia de fornecimento, separando os melhores lotes para exportação, não resolveria o problema ambiental interno, como desmatamento, degradação de solos e queimadas, e ainda agravaria o problema social, intensificando o desemprego no campo e as relações precárias e irregulares de trabalho.
Finalmente, é preciso escalonar as soluções técnicas e tecnológicas já existentes e fazer com que elas tenham sentido social e econômico para os produtores. Neste ponto, entram também as iniciativas de certificação e o valor do monitoramento, da verificação e da relatoria para os mercados e investidores.
E para fechar essa equação em um resultado de ganha-ganha, é indispensável adequar os fluxos financeiros, seja via crédito público ou investimentos privados, e as políticas de assistência técnica e transferência de tecnologias para os perfis de produtores mais necessitados. Os impactos das mudanças climáticas são visíveis e palpáveis e é preciso agir rápido.