Nos últimos 4 anos assistimos atônitos ao desmonte de relevantes políticas ambientais, à descontinuidade de importantes espaços para o diálogo e construção da governança ambiental e climática no Brasil, aparelhamento das instituições, sobretudo através da militarização e do uso abusivo de mecanismos infralegais.
A expectativa agora é de uma reconstrução democrática, mas vai além. Espera-se a renovação de mecanismos de gestão desatualizados, a revisão de normativas buscando inovação e a abertura de espaço de diálogo com os diferentes atores sociais.
Nosso litoral sofre há décadas com vários impactos da expansão urbana, da perda de ambientes naturais e culturas tradicionais, além de eventos climáticos extremos como pudemos testemunhar recentemente no litoral norte de São Paulo.
Para lidar com esses impactos e promover a qualidade do oceano precisamos ter comportamentos corretos, legislação adequada (e sua efetiva implementação), além de instituições e líderes comprometidos com esse imenso território marinho. Precisamos que todos esses pilares estejam fundamentados em princípios sólidos e em uma política de Estado consolidada no respeito à diversidade ambiental, social e de usos.
Para que a Lei do Mar seja aprovada, e um planejamento espacial marinho seja bem conduzido no Brasil é necessário um esforço do poder executivo. O novo governo sinaliza sobre a importância do tema, mas é ainda necessário dedicar espaço e esforços institucionais em meio as extensas agendas de clima e florestas, historicamente prioritárias na gestão ambiental
A gestão costeira e marinha por parte do Estado brasileiro intensificou-se a partir de 1988, junto com a Constituição Federal. Há 30 anos, não tínhamos o desenvolvimento de uma indústria de petróleo offshore, enquanto hoje 80% do nosso petróleo vem do mar. Não tínhamos tecnologia pesqueira que permitisse explorar áreas distantes da costa e ficar no mar por vários dias seguidos, como acontece hoje. Não tínhamos a escala de exploração e exportação de commodities, produto do agronegócio e minérios, como observado hoje, que pressionam os sistemas costeiros através da expansão de estruturas portuárias e terminais marítimos. Não tínhamos muito conhecimento científico sobre o estado de conservação dos ecossistemas marinhos e costeiros e nem sobre s impactos de diferentes estressores nesses ambientes, como as mudanças climáticas, a sobrepesca, a degradação de habitats, as espécies exóticas invasoras e a poluição, incluindo os plásticos. E não tínhamos a noção da importância de considerarmos as atividades no continente, na costa e no mar de forma integrada.
A Lei do Gerenciamento Costeiro Integrado foi um marco importante em nossa história. Apesar da existência de muitas normas, políticas, planos e programas aplicáveis ao ambiente marinho e costeiro, há um baixo nível de implementação e integração desses mecanismos, muitas das vezes com lógicas contraditórias. Além disso, espaços de debate e participação social, como o Gigerco (Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro), que há 25 anos vinha conduzindo uma arena de debate com diversos atores sobre o litoral, foram desarticulados.
A gestão costeira e marinha no Brasil pode, na esteira das construções e aprendizados vividos, aproveitar a energia colaborativa e catalisadora de um novo governo, para inovar e transformar a forma como lidamos com o oceano, para incluir maior participação da sociedade, da academia, do setor privado e de comunidades costeiras. Nesse sentido, o diálogo entre ciência e saberes tradicionais de comunidades costeiras podem indicar importantes caminhos a serem percorridos.
Um deles é a aprovação do Projeto de Lei (PL) 6.969/2013 que institui a Política Nacional para a Gestão Integrada, a Conservação e o Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho, popularmente conhecida como “Lei do Mar”. A partir de esforços da sociedade civil organizada, e com a contribuição de diversos setores, incluindo o governo, tal PL tramita na Câmara dos Deputados desde 2013 e atualmente, tramita em regime de urgência na Comissão de Constituição e Justiça, podendo ser votado a qualquer momento em plenário.
A Lei do Mar guia a governança marinha e proteção dos ambientes costeiros e marinhos em todo o território marinho nacional. Se aprovada, vai contribuir para a conservação e uso sustentável dos ecossistemas costeiros e marinhos, estabelecendo princípios, instrumentos regulatórios e competências.
Um outro passo relevante, que pode colocar o Brasil no mesmo patamar de outros países é o desenvolvimento e implementação de um processo de Planejamento Espacial Marinho, que vai além de mapas com informações cartográficas sobre o que se sabe sobre o mar, mas, que deve ser construído em bases ecossistêmicas, com um processo participativo que discuta de forma transparente, equitativa e inclusiva o que será feito no mar brasileiro. A Lei do Mar traz provisões chave para dar início a esse processo.
Para que a Lei do Mar seja aprovada, e um planejamento espacial marinho seja bem conduzido no Brasil é necessário um esforço do poder executivo que já inovou com a criação de um Departamento de Oceano e Zona Costeira, vinculado à Secretaria de Mudança do Clima no Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima. O novo governo sinaliza sobre a importância do tema, mas é ainda necessário dedicar espaço e esforços institucionais em meio as extensas agendas de clima e florestas, historicamente prioritárias na gestão ambiental. Será preciso um hercúleo esforço de articulação junto às entidades governamentais, em especial à Marinha do Brasil, que há anos ocupa um papel central na gestão do mar brasileiro. Entretanto, sendo o território marinho do país pertencente à União, é chegada a hora de abrir espaço para uma gestão efetivamente participativa do ambiente marinho envolvendo diversas instâncias governamentais e todos os demais setores e atores da sociedade.
É por meio de um amplo diálogo com a sociedade, e incluindo os diferentes conhecimentos técnicos, científicos e tradicionais que será feita a inovação necessária para dar conta do desafio que é a gestão do mar e de sua diversidade socioambiental. É necessário um esforço magistral, para coordenar e harmonizar poderes e interesses, buscando prevalecer a justiça e a equidade.