Muitos dos grandes desafios atuais da humanidade, como as questões socioambientais relacionadas às mudanças climáticas, envolvem problemas complexos cujas soluções perpassam diversas áreas do conhecimento científico e vão além deles. O enfrentamento desses desafios demanda também conhecimentos experienciais, técnicos e estratégicos, relacionados - entre outros - às possibilidades práticas, legais e políticas, que não fazem parte do arcabouço de conhecimento trazido pelos cientistas, mas sim pelos gestores. Além disso, a tomada de decisão e formulação de políticas passa por uma negociação dos múltiplos interesses e valores na sociedade que não cabe aos cientistas, mas depende de acordos políticos. Assim, apesar do consenso na academia a respeito da importância de uma ciência mais engajada, que dê suporte a soluções para problemas da sociedade, os caminhos para que isso efetivamente aconteça na prática ainda são muito desafiadores.
Embora cientistas e gestores interajam frequentemente, essa relação comumente ocorre de maneira pontual e fragmentada, através da participação de cientistas em colegiados/conselhos consultivo ou da contratação de consultorias técnico-científicas para atender a demandas específicas, sem oportunidades estruturadas para diálogo colaborativo, aprendizado e cocriação entre as partes. Este tipo tradicional de interação unidirecional - gestores formulam demandas respondidas por pesquisadores - mantêm desacopladas as práticas, a comunicação, as políticas institucionais e as culturas científicas e dos órgãos de gestão governamentais.
Na contra-corrente, vem ganhando visibilidade a proposta de unir diferentes atores sociais, incluindo gestores e pesquisadores, em espaços colaborativos de articulação de conhecimentos para definição conjunta dos problemas e geração de soluções viáveis, legítimas e com suporte científico, em um processo comumente chamado de coprodução. Alinhadas a essa tendência, as agências de fomento à pesquisa já têm aberto editais e linhas de financiamento que consideram essa interação colaborativa de cientistas com outros atores. Embora excelente notícia, este é um primeiro passo que não garante o sucesso destes projetos.
O Projeto Biota Síntese, por exemplo, foi pensado para ser um espaço permanente de aprendizado e articulação de conhecimentos entre cientistas e gestores públicos, com vistas a subsidiar políticas públicas atreladas a desafios socioambientais do estado de São Paulo. Cerca de um ano e meio após o início formal do projeto, parte de seus integrantes se reuniu para refletir sobre os desafios encontrados no processo de coprodução e como enfrentá-los. A partir de dinâmicas de reflexão individual e coletiva baseadas em técnica da psicologia para identificar formas distintas de pensar temas complexos, o grupo reconheceu entraves e acordou formas para contorná-los.
Vem ganhando visibilidade a proposta de unir diferentes atores sociais, incluindo gestores e pesquisadores, em espaços colaborativos de articulação de conhecimentos para definição conjunta dos problemas e geração de soluções viáveis e com suporte científico, em um processo chamado de coprodução
O grupo reconheceu que a rotina de trabalho e suas atividades, as linguagens usadas, os produtos gerados e a forma como os cientistas e gestores são avaliados nas suas carreiras e instituições são muito diferentes, e geram expectativas por vezes conflitantes sobre o processo de coprodução. Cientistas precisam de estudo e aprofundamento e se debruçam sobre investigações meticulosas para avançar o conhecimento científico, sendo prioritariamente avaliados pelos artigos científicos que produzem - essa avaliação é especialmente relevante para pesquisadores mais jovens, sem vínculo empregatício que dependem de renovação de bolsas e da construção de um currículo robusto para galgar futuras posições. Gestores públicos sofrem enorme pressão para atenderem, em tempo mínimo, demandas urgentes que afetam a vida de milhares, por vezes de milhões, de pessoas. Sofrem também com mudanças de rumo e rompimento de projetos e programas decorrentes da rotatividade de seus governantes.
Dessa forma, é preciso reconhecer que há, não apenas diferentes tipos de conhecimento, mas também perspectivas e habilidades distintas, e assimetrias de risco e poder entre os envolvidos em processos de coprodução. Esse reconhecimento coletivo é o primeiro passo para construção de respeito e confiança e criação de espaços seguros para expor e solucionar conflitos, alinhar expectativas e acordar soluções de maneira que todos possam contribuir e aprender.
A construção desse diálogo depende diretamente do engajamento dos atores, o que pode envolver reuniões frequentes e imersões mais longas. Tais ações demandam não apenas esforço intelectual, mas também enorme empenho logístico e administrativo. Assim, um grande desafio de projetos de coprodução é garantir o apoio logístico e administrativo das instituições de pesquisa e órgãos de gestão pública para a realização destas atividades. É fundamental também que estas instituições reconheçam estes ambientes de interação como espaços legítimos de trabalho e capacitação, que merecem tempo e dedicação, e considerem sua construção um diferencial positivo no currículo de seus participantes.
Além da valorização das atividades, muitos produtos gerados na coprodução, como notas técnicas e sumários executivos, não contribuem para os tradicionais índices de sucesso na academia, gerando impasses difíceis principalmente para a participação de pesquisadores em início de carreira. Portanto, se a academia deseja contribuir de maneira mais efetiva para as questões sociais, é fundamental que as agências de fomento e universidades repensem a forma de avaliação de seus profissionais, incluindo em seus índices de produção acadêmica a experiência e produtos decorrentes da coprodução.
Por fim, a experiência do Projeto Biota Síntese também aponta para a importância do envolvimento de uma equipe de profissionais de comunicação e mediação desde o início do projeto, para que possam contribuir no planejamento e facilitação de dinâmicas que favoreçam a reflexão e o fortalecimento das interações e que levem os conhecimentos e discussões levantadas para os diferentes públicos interessados, como, por exemplo, gestores públicos não envolvidos no projeto e a população influenciada pelas políticas públicas estabelecidas.