ICMS Educacional: o que avançou nos estados e quais os riscos e incertezas para a educação?

Ursula Peres, Lauana Pereira, Cristiane Capuchinho, Yasmin Pinheiro, Gabriel Machado e Izabella Silva
A proposta de induzir qualidade na educação com um imposto suscetível a crises e disputas políticas e com critérios pouco precisos desperta preocupação

A aprovação do Fundeb Permanente, por meio da EC (Emenda Constitucional) 108/2020, foi uma importante conquista para a educação básica ao perenizar um mecanismo de financiamento educacional comprovadamente eficiente na redução de desigualdades, garantir mais verba repassada pelo governo federal para a área, além de redistribuir recursos com foco nas redes estaduais e municipais com maior necessidade financeira, aumentando ainda mais a equidade para custear a garantia do direito à educação. Uma das inovações aprovadas trata da adoção de indicadores educacionais para o repasse de parte do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) aos municípios. A medida, no entanto, pouco avançou em vários entes e seu impacto está ameaçado em razão das incertezas associadas às disputas em torno do ICMS.

O ICMS é um imposto estadual e, legalmente, 25% do que é arrecadado deve ser repartido com os municípios. Antes da aprovação da EC 108, no mínimo 75% do valor repassado às prefeituras deveria seguir critério de Valor Adicionado Fiscal, isto é, segundo a contribuição daquele município para a arrecadação total do imposto, e os 25% restantes redistribuídos conforme legislação própria do estado. Com a aprovação da emenda, a parcela de antes 75% foi reduzida para 65%, aumentando para 35% o valor distribuído em função da escolha do legislador local, mas estabelecendo que no mínimo dez pontos percentuais sejam alocados com base em indicadores de melhoria dos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade nas redes municipais.

Com as incertezas em torno do conflito distributivo do ICMS, em especial sobre a judicialização das mudanças de tributação no ICMS sobre combustíveis, não há muito incentivo nesse momento na aprovação das leis de ICMS Educacional

Essa proposta, conhecida como ICMS Educacional, foi construída a partir do exemplo exitoso do Ceará. Em 2007, o estado aprovou lei com previsão de que 18% do ICMS fosse redistribuído aos municípios em função de indicadores de alfabetização e proficiência em língua portuguesa e matemática dos estudantes do ensino fundamental. A medida é parte de um conjunto de ações do governo estadual para melhoria da qualidade nesta etapa de ensino, majoritariamente ofertada pelos municípios e, especialmente, para o alcance da alfabetização na idade certa. A esse conjunto de ações atribui-se o resultado de que o Ceará foi a unidade da federação que mais melhorou a qualidade da educação nos anos iniciais do ensino fundamental entre 2005 e 2019, mensurada pela nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

A EC 108 deu prazo para que os estados aprovem uma lei própria implementando o ICMS Educacional até 26 de agosto de 2022. A tabela a seguir (atualizada em 19/setembro/2022) sintetiza a legislação aprovada ou em andamento em cada estado. Quase esgotado o tempo, dois aspectos preocupam: 1) entre os 26 estados, 20 elaboraram e aprovaram novas regras, sendo que parte ainda não está em vigor, e seis possuem algum projeto de lei sobre a temática; e 2) além de ser um imposto regressivo bastante sensível a crises econômicas, o ICMS é, atualmente, objeto de intensa disputa política entre governo federal e estados, o que pode colocar em risco o incentivo educacional aprovado na EC 108 que sequer foi implementado.

Tabela mostra Leis e Projetos de Lei Estaduais que alteram o critério de distribuição da cota-parte do ICMS aos municípios

Em síntese, observa-se que o percentual de distribuição do ICMS vinculado a critérios de educação varia muito entre as leis e propostas de lei dos 20 estados que possuem algum avanço em relação à abordagem normativa da temática, indo de 5% em estados como Alagoas (que deverá propor nova legislação que eleva para, no mínimo, 10%) a 20% no Maranhão. Da mesma forma, os critérios de distribuição também variam entre os estados, sendo genéricos em alguns, com a reprodução literal das demandas da EC 108/2020, e mais específicos em outros, que definem os indicadores com as suas respectivas fórmulas de cálculo. Foi comum observar uma série de legislações ou propostas sem a definição dos indicadores educacionais, com a menção de regulamentação posterior pelo Poder Executivo.

É possível que os estados estejam com dificuldades no encaminhamento dos projetos de lei, bem como em suas aprovações, em função do conflito distributivo envolvido neste tema. Como não há nenhum recurso novo para a educação sendo distribuído, com a revisão dos critérios de repasse do imposto, haverá municípios que perderão recursos para outros, a depender do desenho institucional da política e da definição das regras redistributivas, o que provoca resistência por parte de diversos atores políticos.

Além disso, a proposta e discussão em torno do ICMS educacional é desafiadora e complexa, dado que o imposto é indireto, regressivo e pró-cíclico. Gerado a partir do consumo ou contratação de serviços, o tributo independe do poder de compra e, assim, onera relativamente mais os pobres. Há também riscos no que diz respeito à dependência do ICMS no modelo atual de financiamento da educação. Como a arrecadação do imposto está diretamente relacionada à atividade econômica, ela tende a cair em períodos de crise.

O fato de o ICMS ter sido instrumentalizado pelo Executivo federal com fins eleitorais também evidencia as bases frágeis do incentivo educacional adotado. Com vistas a amenizar o aumento no custo de vida provocado pela conjuntura nacional e internacional, o Congresso aprovou a regra proposta pelo governo que passou a obrigar os estados a baixarem as alíquotas do ICMS dos consumos essenciais. Com essa mudança, os estados perdem arrecadação (estimativa de R$ 60 a R$ 80 bilhões de perda) sem compensação da União.

A consequência disso para a educação é que, além da redução da arrecadação em cada estado, também haverá redução da complementação da União ao Fundeb, visto que esse valor é vinculado à arrecadação dos estados junto ao Fundo. Nessa situação, governos estaduais estão recalculando orçamentos de 2022 e reestimando suas previsões futuras. Consequentemente, o ICMS educacional pode sofrer forte mudança nesse sentido. Assim, não apenas perdem os estados, mas também os municípios e as respectivas redes de ensino estadual e municipal.

Com todas as incertezas em torno do conflito distributivo do ICMS, em especial sobre a judicialização das mudanças de tributação no ICMS sobre combustíveis, não há muito incentivo nesse momento na aprovação das leis de ICMS Educacional. A solução para o impasse passa por várias mudanças, sendo a principal uma guinada política que passe a priorizar de fato a educação e discuta seriamente a reforma tributária.

Cristiane Capuchinho é mestre em gestão de políticas públicas pela EACH/USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo) e jornalista. Pesquisa financiamento das redes estaduais de ensino no CEM/USP (Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo).

Gabriel Santana Machado é mestrando em administração pública e governo pela EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas), bacharel em gestão de políticas públicas pela EACH/USP, pesquisador júnior do CEM/USP e bolsista da KAS (Fundação Konrad Adenauer) e OM (Oficina Municipal).

Izabella Silva é mestranda e graduada em gestão de políticas públicas pela EACH/USP.

Lauana Pereira é mestranda em ciência política pelo DCP/USP (Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo), bacharel em gestão de políticas públicas pela EACH/USP, pesquisadora júnior do CEM/USP e assessora parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Ursula Peres é doutora em Economia pela EESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas), professora de gestão de políticas públicas da EACH/USP, pesquisadora do CEM/USP, onde coordena projetos sobre orçamento público e financiamento de políticas públicas.

Yasmin de Sousa Pinheiro é graduada em gestão de políticas públicas pela EACH/USP.

Os artigos publicados na seção Opinião do Nexo Políticas Públicas não representam as ideias ou opiniões do Nexo e são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Parceiros

AfroBiotaBPBESBrazil LAB Princeton UniversityCátedra Josuê de CastroCENERGIA/COPPE/UFRJCEM - Cepid/FAPESPCPTEClimate Policy InitiativeMudanças Climáticas FAPESPGEMAADRCLAS - HarvardIEPSISERJ-PalLAUTMacroAmbNeriInsper