A sustentabilidade no Plano Safra

Juliano Assunção e Priscila Souza
No novo Plano Safra, menos de 30% dos recursos está destinado a pequenos e médios produtores e o Programa ABC corresponde a menos de 2% do volume de recursos

O Plano Safra 2022/2023 foi lançado pelo governo federal em 29 de junho, disponibilizando R$ 340,88 bilhões para a agropecuária brasileira até junho do próximo ano. Reconhecendo o desafio de financiamento de pequenos e médios produtores e a importância da sustentabilidade da agropecuária brasileira, o anúncio deu destaque a esses elementos da política pública mais importante para o setor. No entanto, observamos que menos de 30% dos recursos está destinado a pequenos e médios produtores, o que não é diferente das últimas edições do Plano Safra. Além disso, o Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), principal componente de sustentabilidade do plano, corresponde a menos de 2% do volume de recursos. Por um lado, como o Plano Safra envolve recursos públicos em volume expressivo, a manifestação de interesse em focalizar os recursos naqueles produtores com maior restrição de crédito e em práticas sustentáveis é necessária e bem-vinda. Por outro lado, ainda há muito espaço para ampliarmos esse direcionamento de recursos.

O incentivo à sustentabilidade tem evoluído em frentes paralelas há alguns anos. Em 2020, uma resolução do Conselho Monetário Nacional ampliou o acesso ao crédito a produtores que tenham o seu CAR (Cadastro Ambiental Rural) analisado como em conformidade com o Código Florestal ou em regularização ambiental – esses produtores têm 10% a mais de limite de crédito de custeio. Já desde 2008, as instituições financeiras que concedem crédito no bioma amazônico devem verificar a inexistência de embargos vigentes de uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente no imóvel. Dispositivos como esse tendem a ter um impacto ampliado a outros biomas, pois se aplicam a um volume grande de recursos e não a uma linha específica de financiamento.

Outra alavanca de grande potencial é o Bureau Verde de crédito rural que está sendo implementado pelo Banco Central e utiliza sua plataforma tecnológica para que os produtores possam sinalizar indicadores de sustentabilidade de suas atividades. É um sistema que tem um potencial transformador para o setor agropecuário brasileiro, pois os produtores poderão apresentar suas práticas sustentáveis a consumidores e investidores de forma efetiva e a baixo custo. Inúmeras aplicações podem ser desenvolvidas a partir dessa plataforma. O próprio Banco Central, ao anunciar o Bureau Verde, já demonstrou interesse em focalizar mais os recursos do Plano Safra para produtores na trilha de sustentabilidade.

Em média, uma oferta maior de crédito rural nos municípios brasileiros aumenta a produtividade da terra sem expansão da área de agropecuária e sem aumento do desmatamento

Ou seja, há caminhos complementares para além do Programa ABC que precisam ser explorados. O Programa ABC traz uma racionalidade para a utilização dos recursos do contribuinte brasileiro, uma vez que as atividades financiadas geram benefícios mais amplos para a sociedade e transcendem os benefícios privados dos produtores. Mas mesmo que recursos tímidos e questões operacionais ainda atrapalhem o avanço do Programa ABC, podemos aprofundar as alavancas complementares. É importante lembrar também que os bancos e demais agentes financeiros têm liberdade para definirem políticas próprias de alocação dos recursos e, dessa forma, podem aprofundar o alinhamento do crédito com os desafios da agropecuária brasileira.

Um maior incentivo para sustentabilidade agropecuária favorecerá o próprio agro. A maior parte da nossa produção não é irrigada e depende da manutenção dos fluxos hídricos. Florestas mantêm os padrões de chuva que irrigam a nossa agricultura e conservam a biodiversidade. Nesse último verão, a seca que castigou o Centro-Sul do país gerou comunicações de perdas recordes em culturas pouco irrigadas, fazendo disparar os sinistros deferidos no seguro rural.

As crescentes preocupações mundiais com florestas e questões climáticas têm impactado as negociações de acordos comerciais, com reflexo sobre nossas exportações. Os mercados internacionais estão cada vez mais exigentes em relação a comprar produtos sustentáveis e sem desmatamento. Consumidores e grandes compradores têm exigido a rastreabilidade das cadeias produtivas para identificar responsáveis por desmatamento e outros crimes ambientais. Quantos às restrições governamentais, destaca-se a proposta de regulamentação da Comissão da União Europeia para apenas comprar produtos livres de desmatamento (legal e ilegal). Nesse contexto, a política pública deve se adequar aos movimentos de mercado, criando incentivos para que os produtores estejam adaptados às novas condições.

No Brasil, a sustentabilidade da agropecuária é natural por razões históricas. Em trabalho recente desenvolvido por pesquisadores do CPI/PUC-Rio (Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), mostra-se que, em média, uma oferta maior de crédito rural nos municípios brasileiros aumenta a produtividade da terra sem expansão da área de agropecuária e sem aumento do desmatamento. Ou seja, os recursos de crédito têm servido mais à intensificação da agropecuária do que para a abertura de novas áreas. Observa-se uma substituição de áreas de pastagem por áreas de lavoura, que são em média mais produtivas. É o momento perfeito para tornar a agropecuária brasileira mais atraente e competitiva, introduzindo elementos explícitos de sustentabilidade na alocação dos recursos públicos que gerem incentivos adequados sem criar rupturas.

Os impactos de um uso mais eficiente da terra estão ainda mais associados com o crédito direcionado a pequenos produtores, para os quais são encontrados aumentos de produção e produtividade tanto na agricultura como na pecuária, além de redução do desmatamento. Já o crédito direcionado a grandes produtores aumenta a produção na margem extensiva, isto é, gerando uma expansão tanto das terras para agricultura como para pecuária, aumentando o desmatamento. Mais uma razão para que os recursos públicos sejam mais fortemente direcionados para pequenos produtores.

O crédito rural pode conciliar produção e conservação, promovendo ganhos de produtividade e mitigando as pressões sobre a vegetação nativa. Nesse sentido, precisamos que o Plano Safra tenha um protagonismo cada vez maior nesse processo. Mas também há espaço para que os bancos, dentro de seus mandatos, possam avançar com essa agenda tão necessária para o futuro da agropecuária brasileira.

Juliano Assunção é diretor executivo do CPI Brasil e professor de economia da PUC-Rio, onde pesquisa desenvolvimento econômico, meio ambiente e recursos naturais. É doutor em economia pela PUC-Rio e cursou, na UFMG, graduação e mestrado em economia.

Priscila Souza é coordenadora de avaliação de política pública com foco em instrumentos financeiros no CPI/PUC-Rio, pesquisando sobre o impacto de grandes investimentos em economias locais e sobre crédito rural no Brasil. É doutora em economia, mestre de filosofia e mestre de artes em economia pela Universidade de Yale, mestre em economia pela EPGE-FGV (Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas) do Rio de Janeiro e bacharel magna cum laude em economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

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