
Pesquisa recente revela que 65 milhões de brasileiros estão privados de comer em 2022
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A segunda pesquisa da rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) , divulgada recentemente, chama a atenção para a deterioração das condições de segurança alimentar em todo o país nos anos recentes. Entretanto, é importante esclarecer que quem passa fome não são apenas aqueles classificados na situação de insegurança alimentar grave (33 milhões): também os classificados em insegurança alimentar moderada (32 milhões) estão sendo privados de comer o mínimo necessário para manter uma vida saudável. Ou seja, temos mais de 65 milhões de brasileiros passando fome em 2022 – o equivalente à população da França.
Isto significa que o nosso país não está cumprindo nossa Constituição, pois não garante o direito à alimentação saudável a todos os brasileiros, como está previsto no seu artigo 6°.
Essa breve nota tem por objetivo ressaltar três pontos que consideramos fundamentais:
1°) A segunda rodada da pesquisa Vigisan (Inquérito de Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19) traz a confirmação de pesquisas anteriores de que a deterioração da segurança alimentar já vem de vários anos, mas se acelerou durante a pandemia, especialmente no seu segundo ano (2021), pela falta de políticas emergenciais por parte do governo federal para enfrentar o problema. Os números são alarmantes: no final do primeiro ano da pandemia, 1 de cada 5 brasileiros passou fome; um ano depois, no início de 2022, praticamente 1 a cada 3 brasileiros estão passando fome!
As razões para essa aceleração da fome e da insegurança alimentar como um todo no país nos últimos anos se deve fundamentalmente ao crescimento do desemprego, a perda do poder aquisitivo dos salários, aumento da miséria e ao desmonte do programa Bolsa Família e de algumas das principais políticas de segurança alimentar e nutricional, em particular a desativação do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).
O Datafolha também indicava que 55 milhões de brasileiros não tinham dinheiro para comprar comida. Ou seja, 26% da população brasileira já indicava que não tinha dinheiro para comprar mais comida no final de 2021, proporção que está quase dentro da margem de erro quando comparado com os da Vigisan II.
2°)A segunda grande “novidade” que mostra a Vigisan II é que a fome ou a insegurança alimentar grave e moderada não é mais uma questão apenas dos pobres no Brasil, mas também chegou à classe média.
A Vigisan I mostrou que em dezembro de 2021 não havia ninguém passando fome no estrato de renda domiciliar com mais de um salário-mínimo per capita. Já os dados da Vigisan II mostram que nesse estrato de renda mais elevado aparece pela primeira vez tanto a insegurança alimentar grave, como a moderada, que somadas atingem 9% dos habitantes de moradias com rendimentos superiores a um salário-mínimo per capita.
3°) Finalmente vale destacar que a nova rodada da pesquisa Vigisan II mostrou claramente que a fome se espraiou por todo o país, não se concentrando mais somente no Norte e Nordeste. Também o agregado Sudeste/Sul ultrapassou o limiar de 10% deixando o mapa do Brasil todo de vermelho, para mostrar a gravidade atual da insegurança alimentar. Nota-se que, em termos absolutos, que no “Sudeste maravilha” temos tanta gente passando fome como no Nordeste em 2022.
Interessante comparar o Mapa da Fome no Brasil em 2022 com o primeiro Mapa da Fome feito por Josué de Castro em 1946, que destacava apenas as regiões Nordeste e Norte como as áreas de fome no país naquela época: parece que estamos ainda piores.
Duas grandes perguntas surgem depois de ver os dados apresentados. A primeira: é possível esperar um novo governo tomar posse em 2023 para fazer algo para enfrentar essa epidemia de fome que se abate sobre o Brasil? A resposta imediata é: não! Como já nos ensinou nosso querido Betinho (o sociólogo Herbert José de Souza) nos anos 1990, “quem tem fome tem pressa, e não pode esperar!”. Então vem a segunda pergunta: o que podemos fazer de imediato? E quem pode fazer?
Só temos uma instância do poder público que não está dedicada diretamente às eleições no que sobra deste ano corrente: as prefeituras municipais! E elas podem fazer muito, mesmo com poucos recursos. Criar espaços locais para a comercialização de produtos da agricultura familiar, comprar mais produtos frescos para a merenda escolar, apoiar as cozinhas e hortas comunitárias, criar restaurantes populares, bancos de alimentos, entre outras iniciativas.
Mas não é apenas o poder público municipal que tem obrigação de dar prioridade para combater a fome nesse momento. A sociedade civil organizada, incluindo os empresários, muito podem ajudar. Desde campanhas de doação e arrecadação, preferencialmente em dinheiro, mas também de alimentos, até conceder um aumento emergencial dos salários e auxílio-alimentação aos empregados. Uma menção deve ser feita ao papel dos sindicatos e organizações dos trabalhadores que, com raras exceções, não tem se jogado para valer no enfrentamento da fome.
Fica também claro que o novo governo a tomar posse em 2023 deverá estar preparado para várias ações emergenciais. Todas elas, esperamos, deverão convergir para garantir algo fundamental: o direito humano à alimentação saudável!
José Graziano da Silva é Diretor Geral do Instituto Fome Zero, ex-Diretor Geral daFao de 2012 a 2019 e ex-Ministro da Segurança Alimentar e Combate à Fome do primeiro governo Lula. Escreve a convite da Cátedra J. Castro/USP (Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis).
Mauro Del Grossi é professor da Universidade de Brasília, e integrante do InstitutoFome Zero. Escreve a convite da Cátedra J. Castro/USP (Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis).
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