Qual o papel do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica

Renato Crouzeilles, Ludmila Pugliese de Siqueira e Pedro Brancalion
Criada em 2009, iniciativa não governamental busca reflorestar 15 milhões de hectares até 2050. Governança e ações descentralizadas podem resistir às adversidades políticas

A restauração de paisagens e ecossistemas (daqui em diante chamada de restauração) é um dos principais meios para alcançar múltiplos benefícios para o bem-estar humano e a natureza. Restaurar uma paisagem permite reduzir impactos de atividades antrópicas e consequentemente conservar espécies ameaçadas, manter serviços ambientais, mitigar as mudanças climáticas, reduzir a chance de pandemias, aumentar a produção sustentável de alimentos e gerar emprego, renda, educação, pertencimento, inclusão e diversidade.

O reconhecimento do papel da restauração no enfrentamento dos problemas ambientais e sociais é tamanho que a ONU (Organização das Nações Unidas) anunciou o período de 2021-2030 como a Década da Restauração de Ecossistemas. Restaurar ecossistemas é necessário para cumprir diversos compromissos assumidos pelo Brasil, como o Acordo de Paris, os objetivos das três convenções do Rio e do Desenvolvimento Sustentável e de diversos acordos internacionais, nacionais e subnacionais de restauração. O Desafio de Bonn, por exemplo, tem como objetivo restaurar 350 milhões de hectares (um hectare equivale ao tamanho de um campo de futebol) de florestas degradadas e desmatadas até 2030.

São metas ambiciosas para um país que ainda sofre com a destruição de ecossistemas em larga escala, porém viáveis e fundamentais para o futuro. Semelhante a outros setores, a restauração requer vontade política, financiamento e atração do setor privado, desenvolvimento de capacidades e capital humano. Políticas, planos e ações impostos de cima para baixo são frequentes, mas têm efetividade limitada. Os poucos exemplos bem-sucedidos de restauração são frequentemente baseados em ações coordenadas – conhecidas como governança da restauração – envolvendo proprietários rurais, ONGs, institutos de pesquisa e governos em múltiplos níveis.

O reconhecimento do papel da restauração no enfrentamento dos problemas ambientais e sociais é tamanho que a ONU (Organização das Nações Unidas) anunciou o período de 2021-2030 como a Década da Restauração de Ecossistemas

Na última década, o Brasil reuniu condições para liderar a agenda internacional de restauração devido a 3 fatores principais: 1) a criação de leis e políticas para proteção e recuperação da vegetação nativa, como o novo Código Florestal (Lei de Proteção da Vegetação Nativa) e a Proveg (Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa); 2) o desenvolvimento de capacidade científica e técnica na área e engajamento de múltiplos setores; e 3) a atração de investidores e financiadores internacionais para ações sustentáveis, em função da enorme biodiversidade do país e de sua importância no agronegócio.

A Proveg é um exemplo bem-sucedido de formulação de um plano e política de restauração que teve início em 2013. Diante do enorme desafio de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa no país, o Ministério do Meio Ambiente uniu esforços com a academia, o setor privado, ONGs e governos estaduais para desenvolver o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa. O objetivo era motivar e criar condições favoráveis para que proprietários rurais protegessem, usassem de forma sustentável e recuperassem a vegetação nativa.

No entanto, mudanças no contexto sociopolítico levaram a um enfraquecimento da agenda ambiental, favorecendo em alguns casos ações contrárias à própria conservação e à restauração. Para que o Brasil continue seu papel de liderança no cenário ambiental internacional, é vital que ações coordenadas dos diversos atores e instituições nas diferentes escalas de atuação sejam capazes de persistir mesmo em momentos de crise e adversidade política.

O que é o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica

O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica é possivelmente o maior movimento não governamental de restauração do Brasil e do mundo. Criado em 2009, ele envolve mais de 300 membros e tem o intuito de restaurar 15 milhões de hectares de Mata Atlântica até 2050. A experiência e lições aprendidas do pacto têm sido utilizadas para alavancar e criar novos movimentos de restauração.

O Pacto promove a restauração florestal por meio de 3 atividades principais. São elas: 1) o desenvolvimento de estratégias de governança descentralizada, comunicação e articulação, com uma plataforma online para envolver e conectar múltiplos atores; 2) o estabelecimento de um sistema de monitoramento com base em dados de sensoriamento remoto e de campo; e 3) a promoção de visão e estratégias para influenciar políticas públicas e ações em vários níveis.

Em 2011, o Pacto se comprometeu a recuperar um milhão de hectares de Mata Atlântica até 2020 no Desafio de Bonn. A iniciativa também monitorou entre 673,5 e 740,6 mil hectares de florestas em recuperação de 2011 a 2015 e estimou que quase 1,5 milhão de hectares estivessem em recuperação até 2020. Está claro que a Mata Atlântica tem um grande potencial para restauração florestal, não apenas por meio do plantio de mudas e sementes, frequentemente realizado por membros do pacto , mas por meio da regeneração natural e da persistência de florestas jovens.

Considerados um sopro de esperança, ambiciosos acordos internacionais de restauração podem ser alcançados por meio de ações descentralizadas e apesar das adversidades políticas.

A ambição do Pacto só aumentou frente ao anúncio da Década da Restauração de Ecossistemas da ONU. Junto ao anúncio, o movimento lançou o “desafio do Pacto”, com a intenção de restaurar mais 1 milhão de hectares na metade do tempo inicialmente previsto — ou seja, de 2021 até 2025. Estima-se que cerca de 22 milhões de hectares de áreas convertidas têm potencial de regeneração natural até 2035. No entanto, grande parte dessas florestas são perdidas nos primeiros anos após a regeneração. Um tremendo potencial desperdiçado.

O desafio do Pacto está baseado em 4 passos principais: 1) entender por que os proprietários rurais cortam as florestas jovens; 2) investigar quais mecanismos fariam com que eles mantivessem essas florestas; 3) identificar áreas com alto potencial para regeneração natural; e 4) criar os mecanismos necessários para a manutenção das florestas jovens.

Em 2020, o movimento desenvolveu um estudo de caso e conduziu entrevistas com proprietários rurais. Alguns mecanismos foram detectados como potenciais catalisadores do processo de regeneração natural, entre eles o pagamento por serviços ambientais (instrumento econômico que incentiva proprietários rurais na proteção e uso sustentável de recursos naturais, adicionando uma nova fonte de renda) e a possibilidade de os proprietários conduzirem atividades econômicas nas áreas em recuperação e ao seu redor.

O Pacto e outros atores não governamentais têm desempenhado papel vital para que o Brasil continue a liderar a agenda de restauração. No caso específico da Mata Atlântica, o movimento começa a Década da Restauração de Ecossistemas reconhecendo a importância da regeneração natural e da proteção de florestas jovens no ganho de escala da restauração. No entanto, a regeneração natural não é a solução de todos os problemas. Ela deve ser fomentada em áreas com potencial ambiental e onde seja possível empregar mecanismos de incentivo que atendam às motivações dos produtores rurais. Essa será uma forma efetiva de alavancar o “desafio do Pacto” e inspirar outras iniciativas de restauração.

Renato Crouzeilles é gerente sênior no Instituto Internacional para Sustentabilidade Rio e professor no mestrado profissional em ciência do meio ambiente da Universidade Veiga de Almeida.

Ludmilla Pugliese de Siqueira é diretora da empresa Kawa Estratégias Sustentáveis. Já atuou em diversas iniciativas de conservação, restauração e políticas públicas. Atualmente é coordenadora nacional do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, sendo membro do conselho de ONGs e comitês científicos na área de restauração e diversidade.

Pedro Brancalion é professor associado do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de São Paulo, vice-coordenador do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências.

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