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OPINIÃO

Acelerando o progresso na ciência do clima

Robert Socolow, Tapio Schneider e Nadir Jeevanjee 13 de Outubro de 2021 (atualizado em 28 de Dezembro de 2023)

Os oceanos, a atmosfera, a terra, a criosfera e a biosfera formam um sistema complexo e altamente conectado. O principal desafio é capturar essas interações e seus muitos graus de comportamento para propor as mudanças e adaptações que o futuro requer

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Nos últimos 50 anos, a mudança climática antropogênica passou de uma possibilidade abstrata, prevista por alguns cientistas, para uma realidade que pode ser vista e sentida por todos. Nesse período, as temperaturas médias na superfície da Terra aumentaram em 1°C, enquanto o aquecimento no Ártico foi de impressionantes 3°C. A principal causa disso é o aumento do dióxido de carbono lançado na atmosfera a partir da queima de combustíveis fósseis.

Para evitar uma mudança climática catastrófica será preciso realizar uma transição radical, passando do modelo em que vivemos hoje para um tipo de produção econômica que gere baixo teor de carbono nas próximas décadas . Isso evitaria a elevação da umidade e da temperatura em diversas regiões (a exemplo do Golfo Pérsico) para índices que seres humanos não poderiam suportar. E mesmo que as sociedades tenham sucesso em reverter para baixo a curva que mostra o crescimento contínuo nas emissões de carbono, nós ainda precisaremos nos adaptar às mudanças climáticas que já começaram e incluem: ondas de calor mais severas, tempestades mais fortes e menos água de irrigação no verão, resultado da redução da neve acumulada.

A adaptação a esse futuro requer ciência precisa e prática. Embora tanto os modelos climáticos mais antigos quanto os atuais tenham previsto que a Terra esquentaria e continuaria a aquecer, as projeções sobre o fenômeno variam bastante. Por exemplo, em cenários em que as emissões de CO2 são imediatamente reduzidas, chegando a zero ao longo dos próximos 50 anos, os modelos atuais projetam que a média global da temperatura da superfície da Terra ainda pode aumentar em uma variação que vai de 0,5°C a 1,5°C até 2050.

É improvável que, se empregadas de maneira isolada, as abordagens tradicionais para tais problemas multiescala consigam realizar grandes descobertas

Juntos, os oceanos, a atmosfera, a terra, a criosfera e a biosfera formam um sistema complexo e altamente conectado. As leis fundamentais que regem a física desse sistema são conhecidas, mas as interações de seus muitos graus de comportamentos, que variam livremente, não são tão facilmente computáveis. O principal desafio é capturar a grande variedade de escalas espaciais e temporais do sistema terrestre. Analisemos, por exemplo, a cobertura de nuvens, um regulador crucial do equilíbrio de energia da Terra. As escalas de seus processos são de micrômetros para formação de gotículas e cristais de gelo, métricos para fluxos turbulentos e correntes ascendentes convectivas e de milhares de quilômetros para sistemas meteorológicos.

É improvável que, se empregadas de maneira isolada, as abordagens tradicionais para tais problemas multiescala consigam realizar grandes descobertas. E apenas a utilização de grandes computadores não irá resolver todas as escalas espaciais relevantes em um curto espaço de tempo. O chamado “aprendizado de máquinas” (machine learning) tem um inegável potencial para explorar o volume exponencialmente crescente, e já disponível, de observações da Terra. Mas as abordagens puramente baseadas em dados não podem dar conta totalmente do grande número de variações nos modelos climáticos. Além disso, as futuras mudanças climáticas que queremos prever não tem observações análogas no passado, o que cria desafios para os métodos de aprendizado de máquinas. Contudo, um progresso gigantesco pode estar logo adiante se combinarmos de maneira sensata teoria, dados e computação .

Desde a revolução científica do século 17, o caminho para o sucesso científico tem sido delimitado pelo seguinte processo: desenvolva modelos e teorias, teste-os por meio de experimentos e observação, revise-os com base nos dados levantados e replique o processo. Acreditamos que o progresso na ciência do clima reside em um programa que se baseie exatamente nesse ciclo, mas que deve ser acelerado e automatizado com “machine learning” e computação de alta performance.

É hora de um esforço mais amplo

Nossa compreensão e capacidade de gerar modelos de nuvens, de climas polares e de reservatórios de carbono da Terra devem melhorar substancialmente na próxima década. Benefícios adicionais também podem ser esperados para atividades como previsão sazonal e sub-sazonal de riscos climáticos extremos. O que também poderá ser alcançado em breve são modelos e previsões aprimorados de derretimento de gelo terrestre, conectado com a elevação do nível do mar, e modelos e previsões referentes à circulação de águas oceânicas e sua associada absorção de calor e carbono. Reduzir as incertezas na sensibilidade climática por pelo menos um fator de dois é algo que pode estar ao nosso alcance – um feito cujo valor socioeconômico é estimado em trilhões de dólares .

Os paleoclimas, analogias mais próximas do que nos espera adiante, são um próximo teste natural para modelos do sistema climático. A última vez em que as concentrações de CO2 ultrapassaram o nível de hoje, de 415 ppm, foi há 3 milhões de anos, quando a configuração continental da Terra se parecia com a de hoje, mas as temperaturas eram entre 2°C ou 3°C mais altas . O resfriamento desde então foi responsável por desencadear os ciclos da Era do Gelo, que são acionados por variações na órbita da Terra. Mas ainda é um mistério como as variações orbitais sutis, amplificadas e moduladas por processos de retroalimentação envolvendo nuvens, turbulência oceânica e o ciclo do carbono, operam através do sistema climático não-linear para produzir as oscilações do clima glacial-interglacial que a Terra tem experimentado.

Progresso, neste que é um dos desafios científicos definidores de nosso tempo, requer equipes colaborativas bem financiadas e com experiência, com especialistas que vão das ciências naturais – física, biologia e química – até a engenharia, matemática aplicada, estatística, ciência da computação e engenharia de software. A taxa de progresso dependerá da renovação de novos talentos em nosso campo de estudo. Venha!

Para saber mais sobre esse debate, veja: Tapio Schneider, Nadir Jeevanjee & Robert Socolow. Accelerating progress in climate science. Physics Today 74, 44-51 (2021). DOI: 10.1063/PT.3.4772

Bibliografia

C. Hope. “The $10 trillion value of better information about the transient climate response”. Phil. Trans. R. Soc. A.3732014042920140429. Disponível aqui .

Pal, J., Eltahir, E. “Future temperature in southwest Asia projected to exceed a threshold for human adaptability”. Nature Clim Change 6, 197–200 (2016). Disponível aqui ...


Robert Socolow é professor emérito do Departamento de Engenharia Mecânica e Aeroespacial da Universidade de Princeton. Graduado em física pela Universidade de Harvard em 1959, obteve, também em Harvard, seu Ph.D. em física teórica de altas energias, em 1964. Foi professor assistente de física na Universidade de Yale entre 1966 a 1971, e ingressou no corpo docente da Universidade de Princeton em 1971 com a missão de criar a pesquisa ambiental interdisciplinar.

Tapio Schneider é professor titular de ciência ambiental e engenharia no Instituto de Tecnologia da Califórnia, além de pesquisador sênior no Jet Propulsion Laboratory, centro de pesquisa e desenvolvimento fundado pela Nasa e gerenciado pela Caltech. Graduado em estudos de matemática e física pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg, na Alemanha, recebeu seu Ph.D em ciências atmosféricas e oceânicas na Universidade de Princeton. Sua pesquisa está focada em compreender como a dinâmica turbulenta da atmosfera, das nuvens aos sistemas meteorológicos de grande escala, moldam o clima da Terra, com o objetivo de estabelecer o conjunto de leis físicas que regem o clima.

Nadir Jeevanjee é pesquisador no Laboratório de Dinâmica Geofísica de Fluidos, parceria da Universidade de Princeton e da NOAA (National Oceanic & Atmospheric Administration). Antes disso, também em Princeton, ocupou posições de pós-doutorado em geociências e no Programa em Ciências Atmosféricas e Oceânicas (AOS). Obteve seu PhD em 2016 na Universidade da Califórnia Berkeley.

Este ensaio foi originalmente escrito em inglês e traduzido por Rodrigo Simon e Lucas Prates.


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