Quais são as chances de aprovação de uma reforma tributária que aumente a arrecadação? Uma maneira de pensar sobre esse tema é examinar como o Congresso tem tratado o tema da tributação. Ou seja, o exame do comportamento passado de um ator chave nessa matéria nos ajuda a especular sobre seu comportamento provável no futuro.
Um dos autores desta coluna, Eduardo Lazzari, analisou 2.537 proposições legislativas (de todos os tipos) oriundas da Câmara ou do Senado que visavam a alterar algum tributo federal para o período 1999 a 2017. Foram inicialmente selecionados aleatoriamente 250 projetos, cujo conteúdo foi objeto de análise de inteiro teor. As propostas foram classificadas em três tipos: (1) com efeito negativo sobre a arrecadação (caso criasse uma nova dedução, ou isenção, ou benefício fiscal, ou redução de alíquota); (2) com efeito neutro (caso introduzisse apenas mudanças regulatórias: prazos para pagamento, por exemplo; (3) com efeito positivo sobre a arrecadação (aumento de alíquotas, eliminação de deduções, isenções ou benefícios fiscais). Observe-se que efeito neutro para a arrecadação (isto é, alongar prazos de pagamento) pode ter efeito positivo para o contribuinte, que retém seu dinheiro por mais tempo.
Impor tributos que aumentem a arrecadação não está entre as primeiras preferências dos congressistas
Resultado: das 250 proposições analisadas, apenas sete (2,8%) aumentariam a arrecadação se fossem aprovadas. Um pouco mais de um quarto (27,6%) teria efeito neutro. A esmagadora maioria (69,6%) teria efeito negativo sobre a arrecadação. Conclusão: essa amostra de 10% das propostas apresentadas pelos parlamentares revelava clara preferência pela distribuição de benefícios, isenções e deduções. Impor tributos que aumentem a arrecadação não está entre as primeiras preferências dos congressistas.
O estudo deu um segundo passo. Com base em um algoritmo supervisionado, as demais proposições legislativas — que totalizaram 2.537 — também tiveram seu conteúdo analisado. Os resultados podem ser lidos na tabela abaixo.
Proposições legislativas por efeito arrecadatório, na Câmara e no Senado (1999-2017)

Essa análise identificou apenas 289 (11,4%) proposições de efeito arrecadatório neutro ou positivo. Em outras palavras, os parlamentares têm como comportamento padrão a preferência pela apresentação de propostas que reduzem a arrecadação. Os dados deixam pouca dúvida quanto às preferências dos congressistas. Elas são evidentes. Sua principal estratégia parlamentar em matéria tributária é aliviar a tributação sobre pessoas físicas – criando deduções no IRPF (Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas), por exemplo – ou atender aos interesses de grupos econômicos – como na instituição de isenções em operações específicas do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Moral da história: se depender da iniciativa do Congresso, a tributação não aumentará.
Importa observar que essa distribuição de preferências não se concentra em nenhum campo ideológico específico. Veja a tabela abaixo. Apenas no PSOL encontramos mais de um terço das proposições legislativas que não estão orientadas a reduzir a arrecadação. Mas esse percentual é afetado pelo tamanho da legenda. De fato, o PSOL apresentou apenas quatro propostas de lei orientadas a aumentar/não afetar a arrecadação em quase 30 anos. A coluna de números absolutos indica que foram DEM, PSDB e PDMB, partidos de centro, que apresentaram o maior número de proposições que não buscam piorar a capacidade de arrecadação do Estado brasileiro.
Embora seja frequentemente repetido que partidos de esquerda têm maior disposição para aumentar a arrecadação, o PT apresentou um menor número de projetos de lei nessa direção, para não falar do PCdoB, que apresentou apenas dois. O PCdoB é, na verdade, o partido que apresentou o menor número de proposições com efeitos neutros ou positivos em números relativos e absolutos.
Proposições de efeito arrecadatório neutro ou positivo por partido

Mas, se assim é, como podemos explicar que a carga tributária no Brasil aumentou? Saiu de 25% do PIB (Produto Interno Bruto) no início da década de 1990, chegou a 35% nos anos 2000 e estabilizou em 32,5% desde 2011 1.
Vários fatores econômicos contribuíram para essa evolução, tais como o incremental aumento da formalização, o controle da inflação e o crescimento econômico nas décadas de 1990 e 2000.
Contudo, esse aumento também foi fruto de decisões políticas. No governo FHC, foram eliminadas deduções na Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e foi criada a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras). No governo Lula, foram aumentadas as alíquotas da Cofins para incidentes sobre instituições financeiras, da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para sociedades prestadoras de serviços, além da criação de regimes não cumulativos para o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins. Nenhuma destas iniciativas, que aumentaram a arrecadação, tiveram efeitos sobre a regressividade de nosso sistema tributário. Avançaram em arrecadação, mas não em progressividade.
Pode-se mesmo dizer que vieram a reboque do crescimento dos gastos, em um ambiente de defesa da estabilização. Aumentos da carga tributária ocorreram via coalizões de governo, o que não exclui a possibilidade de que estes parlamentares também se beneficiavam politicamente dos gastos (além da preservação da estabilidade).
Se assim é, a expansão está associada a uma condição específica. Foram iniciativas do Executivo. Foram aprovadas pelo Congresso, mas requereram hábil negociação política do Executivo, para obter apoio para propostas legislativas às quais o Congresso prefere não estar associado.
Voltando à conjuntura presente: se nem o Executivo quer — como insistem o presidente Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes —, nem a liderança da Câmara quer — como declara o deputado Rodrigo Maia —, se depender do Congresso Nacional, mudanças no sistema tributário introduziriam benefícios a grupos específicos, arbitrária e questionavelmente privilegiando alguns, e, por consequência, diminuindo a arrecadação.