FOTO: Amanda Perobelli/Ueslei Marcelino/Reuters

Marcos regulatórios da agricultura sustentável no Brasil

Jeferson Coutinho
Conheça as principais legislações e políticas públicas, no país, voltadas para o fomento de modelos agrícolas que conservem a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos

A agricultura sustentável no Brasil passa a ocupar de forma mais expressiva as agendas políticas quando começam as pressões internacionais diante dos inequívocos cenários de degradação ambiental e problemas sociais advindos do modelo de exploração dos recursos naturais, além da sua capacidade de suporte.

O Brasil sediou duas conferências internacionais sobre sustentabilidade consideradas as mais importantes da história: a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92) e a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Além disso, o Brasil é signatário no Acordo de Paris, o qual endossa, dentre outras questões, a necessidade de investimentos em modelos agrícolas com baixa emissão de carbono.

De grande destaque também são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que apontam para a necessidade de investimentos em modelos agrícolas que conservem a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. Algumas políticas sobre esses temas podem ser verificadas nesta linha do tempo.

1965

Aprovação do segundo Código Florestal Brasileiro

A legislação substituiu o Código de 1934, o qual não versava sobre mecanismos de promoção da sustentabilidade na agricultura. Já o código de 1965 inovou com conceitos que conciliam a produção agrícola e a preservação de processos biológicos, hidrológicos e geológicos na figura das APPs (Áreas de Preservação Permanente) e RL (Reserva Legal).

1971

Lançamento do primeiro PND (Plano Nacional de Desenvolvimento)

Aprovado pela lei n. 5.727, de 4 de novembro de 1971, para ser executado de 1972 a 1974. No eixo do desenvolvimento agrícola, esse plano apontava para medidas de crescimento e modernização agrícolas sem menções explícitas ao desenvolvimento de modelos agrícolas sustentáveis. Destacava-se como prioridades: “desenvolver agricultura moderna, de base empresarial” e “modernizar as estruturas de comercialização e distribuição de produtos agrícolas”.

1974

Lançamento do segundo PND, aprovado pela lei n. 6.151, de 4 de dezembro de 1974

Este PND foi previsto para ser executado no período de 1975 a 1979. Houve mudança na estratégia desenvolvimentista oficial que buscou trazer medidas de caráter ambiental. Segundo o documento: “na expansão da fronteira agropecuária, será importante adotar diretriz de caráter conservacionista, evitando o uso indiscriminado do fogo, no preparo das áreas, e utilizando práticas de rotação de culturas e descanso do solo, de modo a manter a produtividade das terras em níveis elevados.”

1986

Resolução do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) 001, de 23 de janeiro de 1986

Regulamentou a obrigatoriedade da realização de EIAs (Estudos de Impacto Ambiental) para uma série de atividades humanas (art. 2º). Os EIAs passaram a ser considerados importantes ferramentas de planejamento ambiental. No âmbito da agricultura, apenas empreendimentos que abrissem canais de irrigação eram obrigados a elaborar o estudo e relatório.

1989

Promulgação da lei dos agrotóxicos (lei n. 7.802, de 11 de julho de 1989)

Legislação que introduziu critérios ambientais, de saúde pública e de desempenho agronômico mais rígidos para os registros de agrotóxicos, em substituição ao antigo regulamento de 1934 (decreto n. 24.114), tornando o processo de registro de agrotóxicos muito mais exigente.

1991

Promulgação da Política Agrícola (lei n. 8.171, de 17 de janeiro de 1991)

Esta política dispõe sobre os fundamentos, define os objetivos e as competências institucionais, prevê os recursos e estabelece as ações e instrumentos da política agrícola, relativamente às atividades agropecuárias, agroindustriais e de planejamento das atividades pesqueira e florestal. Em seu artigo 19, incube o poder público o compromisso de desenvolver uma série de ações que visem a proteção ao meio ambiente e conservação dos recursos naturais.

1992

Realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO – 92)

O encontro resultou em três principais documentos dos quais o Brasil é signatário: a Convenção sobre Biodiversidade, a Convenção sobre o Clima e a Agenda 21. Todos tratam direta ou indiretamente da necessidade da promoção do desenvolvimento rural agrícola sustentável e da segurança alimentar.

1997

Publicação da Resolução Conama 237, a qual prevê a necessidade de licenciamento ambiental para atividades agropecuárias e para o uso de recursos naturais, incluindo a silvicultura

Estabelece a revisão dos procedimentos e critérios do licenciamento ambiental e expressamente, conforme suas considerações justificativas de sua criação, com o propósito de incorporar instrumentos de gestão ambiental, visando ao desenvolvimento sustentável e à melhoria contínua.

2003

Promulgação da lei da Agricultura Orgânica (lei n. 10.831, de 23 de dezembro de 2003)

Definiu normas para a produção e a comercialização de produtos da agricultura orgânica. A lei foi aprovada após tramitar no Congresso Nacional desde 1996.

2004

Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm)

Tem como objetivo reduzir de forma contínua o desmatamento e criar as condições para a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal, incluindo incentivos para a melhor utilização de áreas já desmatadas em bases sustentáveis.

2006

Promulgação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais (lei n. 11.326, de 24 de julho de 2006)

Apresenta como um dos seus princípios norteadores a sustentabilidade ambiental, social e econômica dos sistemas de produção.

2007

Publicação do decreto n. 6.323, de 27 de dezembro de 2007

O decreto regulamenta a lei n. 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, e dá outras providências. A referida legislação apresenta as diretrizes da agricultura orgânica, destacando as boas práticas agropecuárias que se relacionem com a conservação dos recursos naturais e para relações de trabalho que priorizem a figura dos trabalhadores do campo como protagonistas em toda a cadeia produtiva. Além disso, o decreto indica todas as etapas legais associadas à produção e comercialização dos produtos orgânicos.

Promulgação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (decreto n. 6.040, de 07 de fevereiro de 2007)

A legislação dá ênfase à “segurança alimentar e nutricional como direito dos povos e comunidades tradicionais ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (inciso III do artigo 1º.).

2010

Lançamento do Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura - Plano ABC

Trata-se de um dos planos setoriais elaborados de acordo com o artigo 3° do decreto n. 7.390/2010 e tem por finalidade a organização e o planejamento das ações a serem realizadas para a adoção das tecnologias de produção sustentáveis, selecionadas com o objetivo de responder aos compromissos de redução de emissão de GEE no setor agropecuário assumidos pelo país.

2012

Promulgação da lei de Proteção da Vegetação Nativa, também conhecida como Novo Código Florestal (lei Federal n. 12.651/12)

É a base normativa atual para a conservação e o manejo das RLs (Reservas Legais) e APPs (Áreas de Preservação Permanente). Em relação ao Código Florestal anterior houve alteração no cálculo da área de RL e APP e introduziu-se a possibilidade de exploração sustentável dos recursos da RL. Destaca-se também o pagamento a serviços ambientais e a obrigatoriedade do CAR (Cadastro Ambiental Rural), onde o proprietário indica aonde estão localizadas as APPs e RLs da propriedade.

Instituída a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – Planapo, através do o decreto n. 7.794, de 20 de agosto de 2012

O governo federal firma o compromisso em “integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutores da transição agroecológica, da produção orgânica e de base agroecológica, como contribuição para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis.”

2013

Promulgação da Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (lei federal n. 12.805, de 29 de abril de 2013)

O propósito desta lei é melhorar, de forma sustentável, a produtividade, a qualidade dos produtos e a renda das atividades agropecuárias, mitigar o desmatamento juntamente com a manutenção das áreas de preservação permanente e de reserva legal, e estimular atividades de pesquisa, desenvolvimento, inovação tecnológica e transferência de tecnologias que integrem de forma sustentável a pecuária, a agricultura e a floresta.

2015

Agenda 2030

Trata-se de um pacto global assinado durante a Cúpula das Nações Unidas, em 2015, por 193 países membros, sendo o Brasil um deles. A agenda é composta por 17 objetivos ambiciosos e interconectados, com foco em superar os principais desafios de desenvolvimento enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo, promovendo o crescimento sustentável global até 2030. Agricultura sustentável aparece junto com a erradicação da fome no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2: “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”.

2019

Crescimento de registro de produtores agrícolas pelo Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária)

O Mapa registrou mais de 17,7 mil produtores agrícolas, crescimento de 200% em relação a 2012. O número de unidades de produção orgânica no Brasil passou de 5,4 mil unidades registradas, em 2010, para mais de 22 mil, uma variação de mais de 300%.

2021

Promulgação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (lei n. 14.119, de 13 de janeiro de 2021)

Criou-se aqui um mecanismo financeiro que visa remunerar produtores rurais, agricultores familiares e assentados, assim como comunidades tradicionais e povos indígenas, pela conservação da floresta em suas propriedades que geram benefícios para toda a sociedade, por exemplo com a proteção de nascentes e da contenção da erosão das margens de rios. Esta lei está em processo de regulamentação.

Publicação das Boas Práticas Agrícolas (Portaria Mapa n. 337, de 8 de novembro de 2021)

Esta portaria estabelece requisitos mínimos e reconhece programas de promoção de boas práticas agrícolas, na etapa primária da cadeia produtiva agrícola, aplicados por entes públicos e privados no território nacional, com o propósito de estimular a produção de alimentos seguros e de qualidade, promover ações que visem melhorar a qualidade da produção de alimentos, promover práticas sustentáveis de produção agrícola e estimular a melhoria da qualidade de vida da população rural.

2023

Cooperação científica para o desenvolvimento agrosustentável

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, recebeu em fevereiro o assessor especial da Presidência dos Estados Unidos para o Clima, John Kerry, para tratar das propostas de cooperação entre os países acerca das mudanças climáticas. Os representantes das duas nações concordam com o desenvolvimento sustentável da agropecuária, incluindo os produtores no sistema por meio do incentivo às boas práticas com linhas de crédito especiais.

BIBLIOGRAFIA

Assis, R. L. D. (2006). Desenvolvimento rural sustentável no Brasil: perspectivas a partir da integração de ações públicas e privadas com base na agroecologia. Economia Aplicada, 10, 75-89.

Bacha, Carlos José Caetano. Economia e política agrícola no Brasil. Campinas: Alínea, 2018.

Cavalcanti, Clóvis. Concepções da economia ecológica: suas relações com a economia dominante e a economia ambiental. Estud. av., São Paulo , v. 24, n. 68, p.53-67, 2010.

Cenci, Elve Miguel; PARRA, Rafaela Aiex. O papel do agronegócio brasileiro na reconstrução da economia em um cenário global pós-crise de 2008 e o compromisso com a agenda ambiental. Revista Internacional de Direito Ambiental. Ano VII, n. 20 mai/ago. 2018, Caxias do Sul: Plenum, 2018, p. 55-76.

Jeferson Coutinho é especialista em meio ambiente e agroecologia, doutor em ecologia, professor no IF da Bahia e pesquisador do INCT Estudos Inter e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução. É autor do Relatório Temático Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da BPBES (Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos).

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