Estamos acostumados a assistir a programas e políticas surgirem e desaparecerem ao sabor de conjunturas políticas, e a lamentar a suposta descontinuidade permanente que caracterizaria a administração pública brasileira. Entretanto, temos exemplos de políticas duradouras, que perduram ao longo do tempo e sobrevivem ao ciclo da alternância política, mesmo que com diferentes nomes e rótulos.
No caso do Bolsa Família, temos um programa que surgiu em 2003, na gestão Lula (2003-2010), a partir da reorganização de programas de transferência de renda que foram criados na gestão Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Se, de fato, temos um novo patamar de transferência de renda com o Bolsa Família – em termos de desenho, cobertura, focalização e desenvolvimento de estratégias de coordenação e articulação intersetorial (Ipea, 2007; Soares e Sátyro, 2009) –, alguns instrumentos basilares para seu bom funcionamento, como o Cadastro Único de Programas Sociais, surgiram anteriormente, em 2001. Nesse sentido, observamos linhas de continuidade e descontinuidade entre gestões, e enquanto algumas inflexões são derivadas de ajustes administrativos, outras representam reorientações políticas em termos do lugar que esse programa deve ocupar na agenda de proteção social brasileira, conforme argumentado em ensaio no Nexo.