A transição da ditadura civil-militar (1964-1985) para a democracia no Brasil foi fruto de um compromisso assumido por diversos atores sociais na Assembleia Constituinte. A legitimidade política do regime militar foi transferida sem grandes rupturas e selada pela Lei da Anistia (lei n. 6.683/1979), espécie de “perdão” geral aos opositores e aos mandantes do regime. A promulgação de uma nova Constituição, no entanto, não implicou a eliminação de todas as leis produzidas durante o regime ditatorial, como é o caso da vigente Lei de Segurança Nacional (lei n. 7.170/1983), que estabelece crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social.
Mais branda que versões anteriores de leis semelhantes, a atual Lei de Segurança Nacional tem sido invocada após 1988 de diferentes formas. Apesar de haver dúvidas sobre sua recepção pela atual ordem constitucional, ainda não houve julgamento definitivo sobre a matéria. Ela vem sendo mobilizada por diferentes atores, com diversos alvos, representando ameaças a valores caros à democracia, como a liberdade de expressão e reunião.
Durante o governo Bolsonaro, segundo dados divulgados pela agência de jornalismo Fiquem Sabendo, houve aumento expressivo da invocação da Lei de Segurança Nacional. Um total de 41 inquéritos policiais (processos de investigação) foram abertos entre 2019 e junho de 2020 com base na legislação. O número é maior do que a somatória de inquéritos abertos durante cada uma das gestões presidenciais anteriores desde o início dos anos 2000.