Transição escola-trabalho

Gustavo Henrique Moraes e Maria Thereza Rios Hortencio
termos e definições do glossário sobre fundo azul com destaques em branco
Conheça noções centrais que revelam os desafios e possibilidades desta etapa da condição juvenil em sua relação com a educação e o mercado de trabalho
  • Juventudes

    Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), um jovem no Brasil é alguém entre 18 e 29 anos de idade. Apesar de termos uma única classificação legal, a utilização do plural em "juventudes" é fundamental para refletir a multiplicidade de perfis dentro deste grupo demográfico. Cada jovem traz consigo uma combinação única de experiências, desafios e aspirações, além de estarem inseridos em realidades que podem variar amplamente de acordo com o contexto social, econômico e cultural em que vivem. Reconhecer essa diversidade é essencial para a formulação e implementação de políticas públicas eficazes. Isso implica em considerar as diferentes demandas, necessidades e realidades dos jovens brasileiros, bem como criar oportunidades para que eles participem ativamente na construção de seu próprio futuro e no desenvolvimento da sociedade como um todo.

  • Bônus demográfico

    O bônus demográfico refere-se a uma condição demográfica em que uma população possui uma proporção maior de pessoas em idade economicamente ativa, tipicamente entre 15 e 65 anos. Esse fenômeno acontece quando o número de pessoas em idade escolar cresce menos que a população total, potencialmente concentrando mais recursos para a educação. Quando essa condição etária transitória acontece, o país experimenta o que os especialistas chamam de "janela de oportunidade" para o desenvolvimento social e econômico. Atualmente, o Brasil está experimentando esse bônus demográfico, o que denota a urgência de políticas públicas que focalizem a transição escola-trabalho, de modo a promover a emergência de uma força de trabalho tecnicamente qualificada, pronta a atender às demandas econômicas e sociais de uma sociedade em transformação.

  • Geração nem-nem

    O termo geração nem-nem surgiu no final dos anos 90 para descrever uma parcela da população jovem que não estuda e não trabalha. Esse fenômeno é resultado de uma combinação complexa de fatores, incluindo o acesso à educação de qualidade e oportunidades de trabalho. Temos testemunhado uma parcela significativa de jovens ao redor do mundo nessa situação – especificamente no Brasil, 1 em cada 5 jovens de 15 a 29 anos faz parte deste grupo, uma das piores posições no mundo entre os países analisados (OCDE, 2023). Muitos jovens abandonam a escola por razões variadas, com destaque para a necessidade de trabalhar (mesmo sem garantia de emprego), seguida por situações como gravidez precoce e encargos relacionados ao trabalho doméstico, especialmente entre as meninas e mulheres (PNAD, 2022). As implicações podem ser significativas, tanto a nível individual quanto social, portanto é fundamental implementar soluções de inclusão social de educação e trabalho que respondam aos diversos desafios.

  • Emprego e ocupação

    São termos frequentemente usados na transição escola-trabalho. Embora possam parecer iguais, têm significados distintos. Na transição escola-trabalho, os estudantes buscam a educação e habilidades para encontrar empregos ou seguir ocupações alinhadas com seus interesses e metas de carreira, e compreender essa diferença é essencial na tomada de decisão. O termo "emprego" refere-se a uma relação formal entre um trabalhador e um empregador, na qual o trabalhador é remunerado por suas atividades, com um contrato envolvido e direitos estabelecidos. Já o termo "ocupação" refere-se à atividade que uma pessoa realiza para ganhar a vida, seja por meio de um emprego formal ou como trabalhador autônomo. Nem todas as ocupações estão necessariamente ligadas a um emprego com um empregador específico, tais como reparador de equipamentos elétricos, vendedor de produtos alimentícios, professor particular, consultoria ou artesanato.

  • Regime de trabalho e contratação

    São conceitos fundamentais, especialmente durante a transição escola-trabalho, e definem as regras e condições de emprego, desempenhando um papel crítico na relação entre empregadores e empregados. Isso afeta horários, benefícios, direitos trabalhistas e estabilidade no emprego. É crucial para trabalhadores e empregadores compreender o regime de trabalho e os diferentes tipos de contratação, pois esses elementos influenciam os direitos e obrigações no ambiente de trabalho. No Brasil, essas regulamentações são estabelecidas por leis, como a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), a Lei do Trabalho Temporário e a Lei do Teletrabalho, entre outras. Buscar orientação legal e conhecer os direitos trabalhistas ao ingressar em uma relação de emprego ou ocupação é fundamental para garantir um ambiente de trabalho justo e equitativo, considerando que acordos e convenções coletivas também podem impactar as condições de trabalho. Conceitualmente, "regime de trabalho" refere-se à forma como as horas de trabalho são organizadas e à natureza do vínculo entre o trabalhador e o empregador (trabalho integral, temporário, teletrabalho ou autônomo). Já "contratação" diz respeito ao processo de recrutamento e estabelecimento de um acordo formal entre o empregador e o empregado, que pode ser por prazo indeterminado, temporário ou de experiência.

  • Salário e renda

    São termos essenciais quando se trata da compensação financeira que os indivíduos recebem por seu trabalho ou outras fontes de ganhos. Embora frequentemente usados como sinônimos, eles têm significados distintos que são importantes para compreender a dinâmica financeira das pessoas. Na transição da escola para o mercado de trabalho, os jovens buscam maximizar seu potencial de renda, muitas vezes focando em aumentar seus salários por meio de educação adicional, treinamento e avanço na carreira. Enquanto o "salário" é a remuneração que um indivíduo recebe em troca de seu trabalho em um emprego formal e é frequentemente acordado em um contrato de trabalho, a "renda", por outro lado, é um termo mais abrangente que engloba todas as fontes de ganhos financeiros de uma pessoa, não se limitando apenas ao trabalho. Além do salário, a renda pode incluir aluguéis, dividendos de investimentos, pensões, benefícios governamentais, receitas de negócios próprios e outras formas de ganhos.

  • Igualdade de gênero no trabalho

    Refere-se ao princípio de promover a igualdade de oportunidades e tratamento para todas as pessoas, independentemente de seu gênero, no ambiente de trabalho. Isso inclui garantir que homens e mulheres tenham acesso igual a empregos, salários justos, promoções, e que não sejam vítimas de discriminação ou assédio no local de trabalho. A promoção da igualdade de gênero no trabalho é um objetivo tanto do ponto de vista dos direitos humanos quanto econômico. Empresas e sociedades que promovem a igualdade de gênero tendem a ser mais inovadoras, produtivas e inclusivas. Recentemente, a pauta ganhou força com a Publicação da Lei Nº 14.611 de 3 de julho de 2023, que torna obrigatória a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função

  • Setores produtivos

    Se referem às categorias nas quais a economia de um país é dividida com base na natureza das atividades econômicas. Tradicionalmente, os setores produtivos são divididos em: "Setor Primário": Envolve atividades relacionadas à extração de recursos naturais, como agricultura, pesca, mineração e silvicultura; "Setor Secundário": Abrange as indústrias de transformação, nas quais matérias-primas são processadas e transformadas em produtos manufaturados, como fábricas e construção civil; "Setor Terciário": Compreende os serviços, incluindo comércio, educação, saúde, turismo e outras atividades que atendem às necessidades das pessoas.

    Na transição da escola para o mercado de trabalho, os estudantes precisam compreender como esses setores se relacionam, identificando oportunidades e buscando adquirir as competências necessárias para ingressar no mundo do trabalho. No contexto brasileiro, essa relação tem sido moldada por desafios econômicos recentes. O país tem uma forte presença como produtor de insumos primários, como grãos, minérios, e produtos agrícolas, destinados principalmente à exportação, em detrimento do fortalecimento do seu setor produtivo secundário. Isso resultou em uma perigosa desindustrialização precoce do país e na migração de muitas ocupações para o setor de serviços, frequentemente em condições de trabalho e renda desfavoráveis. O fortalecimento de todos os setores, impulsionado pela revitalização do setor industrial, é essencial para diversificar a economia e criar mais oportunidades de emprego. Isso requer investimentos em tecnologia, inovação e qualificação profissional, tornando o país mais competitivo internacionalmente. Nesse desafio, o desenvolvimento da EPT (Educação Profissional e Tecnológica) desempenha um papel fundamental.

  • EPT (Educação Profissional e Tecnológica)

    É a educação voltada para o mundo do trabalho, para o aprendizado de uma profissão, de um ofício técnico especializado (MORAES e Albuquerque, 2019). No Brasil, perpassa todos os níveis e modalidades educacionais, desde os cursos de qualificação profissional, passando pelos cursos técnicos de nível médio, até atingir a formação tecnológica de graduação e pós-graduação. Sua oferta está organizada em 13 Eixos Tecnológicos que concentram cursos em todos os campos produtivos e de serviços da economia nacional. No contexto da transição escola-trabalho, a EPT desempenha um papel estratégico, capacitando as juventudes para se inserirem em melhores condições no ambiente profissional, através da oferta de diferentes possibilidades formativas.

  • Cursos técnicos

    São as formações destinadas a desenvolver as competências profissionais relacionadas aos 215 distintos cursos possibilitados pelo CNCT (Catálogo Nacional de Cursos Técnicos). Conferem ao egresso o Diploma de Técnico, condição fundamental para atuar legalmente como Técnico de Nível Médio, nos termos da Lei 5.524/1968 e do Decreto 90.922/1985. Podem ser ofertados na forma articulada (integrada ou concomitante) ou subsequente ao Ensino Médio. Podem ser articulados, também, com a EJA (Educação de Jovens e Adultos). Os cursos técnicos subsequentes, em especial, podem se configurar como uma ótima opção para os jovens que concluíram o Ensino Médio, mas não desenvolveram competências profissionais específicas, auxiliando na transição Escola-Trabalho.

  • Cursos de qualificação profissional

    São formações de curta duração voltadas a desenvolver a competências profissionais a trabalhadores que necessitam de: (i) Formação Inicial em uma área tecnológica específica, incluindo tanto os trabalhadores que não concluíram a educação básica quanto àqueles que concluíram a educação básica e/ou superior, mas que não estão aptos para atuar tecnicamente; (ii) Formação Continuada, destinada ao aperfeiçoamento de trabalhadores que já atuam em um campo técnico específico. Conferem aos egressos “Certificados de Qualificação Profissional”, alinhados à CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), nos termos da Portaria MTE 397/2002. Podem constituir-se como estratégia bastante eficaz para auxiliar na transição Escola-Trabalho;

  • CST (Cursos Superiores de Tecnologia)

    Também conhecidos como cursos tecnológicos, são formações de nível superior criados para oferecer uma possibilidade de graduação mais prática e especializada em comparação com os cursos de bacharelado, que têm uma formação mais abrangente e teórica. Os 134 CSTs listados no CNCST (Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia) têm uma duração média de 2 a 3 anos e são altamente interessantes para quem busca uma formação mais rápida e direcionada para atender às demandas específicas de determinadas profissões ou setores. Por esses motivos, vêm se consolidando como uma das possibilidades educativas preferenciais entre os jovens que concluíram a Educação Básica e precisam conciliar os tempos da educação superior e do trabalho. Conferem ao egresso o Diploma de Tecnólogo.

  • Aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning)

    A aprendizagem ao longo da vida (ou, em inglês, “lifelong learning”) é um conceito que descreve o processo contínuo de adquirir conhecimentos, habilidades e competências ao longo de toda a vida. Ele reconhece que o aprendizado não deve ser limitado às etapas formais de educação, como a escola e a universidade, mas expandido como uma prática contínua durante toda a vida adulta. Com as mudanças no universo do trabalho, que tem requerido cada vez mais competências e habilidades complexas e adaptáveis, as pessoas precisarão estar aptas a responder a isso em meio a um contexto de tecnologias emergentes e cenários de desigualdades de oportunidades. Em todas essas perspectivas, as possibilidades inauguradas pela Educação Profissional e Tecnológica aparecem como ferramenta eficiente para a promoção da Inclusão Produtiva.

  • Inclusão produtiva

    Abrange estratégias e políticas destinadas a integrar indivíduos na atividade econômica, possibilitando-lhes a geração de renda e a melhoria de sua qualidade de vida. A inclusão produtiva pode ser alcançada por meio de uma variedade de estratégias, como o acesso à educação e à profissionalização, o apoio ao empreendedorismo e ao desenvolvimento de pequenos negócios. No caso da transição escola-trabalho, existem programas regulamentados que viabilizam oportunidades de trabalho para os jovens, como o estágio e a aprendizagem profissional. Enquanto o estágio é caracterizado como uma atividade curricular supervisionada de caráter educativo no ambiente de trabalho (Lei nº 11.788/2008), a aprendizagem profissional faz parte da legislação trabalhista brasileira e, visando a formação técnica e profissional, combina formação teórica em instituições de ensino com prática em ambiente de trabalho (Lei nº 10.097/2000). De maneira geral, a implementação bem sucedida de qualquer estratégia de inclusão produtiva requer a colaboração de diferentes setores, incluindo governo, sociedade civil, setor produtivo e instituições educacionais.

BIBLIOGRAFIA

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). [Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990]. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). [Education at a Glance 2023: OECD Indicators, OECD Publishing]. Ano de publicação. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). [PNAD Contínua]. Ano de publicação. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). [Decreto-Lei Nº 5.452, de 1 de maio de 1943]. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Lei do Trabalho Temporário. [Lei Nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974]. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Lei do Teletrabalho. [Lei Nº 13.467, de 13 de julho de 2017]. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Lei Nº 14.611, de 3 de julho de 2023. [Lei da Igualdade Salarial]. Disponível aqui. Acesso em Acesso em 1 nov. 2023.

MORAES, A., Albuquerque, F. [As Estatísticas da Educação Profissional e Tecnológica: silêncios entre os números da formação de trabalhadores]. 2019. SÉRIE DOCUMENTAL (INEP), v. 45, p. 1-54.

Lei Nº 5.524, de 5 de novembro de 1968. [Exercício da Profissão de Técnico Industrial de Nível Médio]. Disponível aqui. Acesso em Acesso em 1 nov. 2023.

Decreto Nº 90.922, de 6 de fevereiro de 1985. Disponível aqui. Acesso em Acesso em 1 nov. 2023.

Portaria MTE 397/2002. [Aprova a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO/2002]. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT). 2020. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia (CNCST). 2006. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. [Lei do Estágio]. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. [Lei da Aprendizagem Profissional]. Disponível aqui. Acesso em 1 nov. 2023.

Gustavo Henrique Moraes é pesquisador de carreira do INEP/MEC, desenvolve estudos de pós-doutorado na Universidade de Stanford, com ênfase nas políticas públicas para a educação profissional e tecnológica. Doutor em educação (UnB), mestre em educação científica e tecnológica (UFSC) e engenheiro em eletrônica/telecomunicações (UTFPR). Já ocupou os cargos de Coordenador Geral de Orientação e Controle da Educação Superior (SESu/MEC), Coordenador Geral de Estudos Regulatórios (SERES/MEC), Assessor Especial do Núcleo Estruturante da Política de Inovação (SETEC/MEC), Diretor de Estatísticas e Informações Acadêmicas (IFSC/MEC), Coordenador Geral de Instrumentos e Medidas Educacionais (INEP), Coordenador Geral de Estudos Educacionais (INEP) e Diretor de Estudos Educacionais (INEP,) tendo coordenado os estudos de Monitoramento do PNE (Plano Nacional de Educação).

Maria Thereza Rios Hortencio é bacharel em administração pública (FGV-EAESP) e mestranda em educação na Universidade de Stanford, desenvolve pesquisas voltadas à compreensão dos impactos das políticas públicas na transição escola-trabalho. Especialista no campo da educação profissional e tecnológica, atuou como analista sênior no IET (Itaú Educação e Trabalho), contribuindo com as políticas educacionais dos estados do Amapá, Mato Grosso do Sul, Pará e Piauí.

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