Risco e seguro na agropecuária

Priscila Souza, Mariana Stussi e Wagner de Oliveira

FOTO: Paulo Whitaker/ReutersMáquina agrícola passa sobre plantação.
Quais são os principais riscos que impactam a agropecuária? Como esses riscos estão relacionados com a segurança alimentar, o desenvolvimento sustentável e as mudanças climáticas? Quais são as principais políticas públicas para o gerenciamento dos riscos na atividade agropecuária? Entenda mais sobre essas e outras questões relacionadas ao tema
  • Risco climático

    O risco climático se refere a possíveis impactos de eventos como secas, furacões e geadas, que podem ser intensificados pela ação humana, por exemplo, através do desmatamento. Na agropecuária, eventos meteorológicos adversos, como secas, chuva excessiva, granizo, geadas, vendavais e variações excessivas de temperatura - ou até mesmo pragas e doenças – podem levar à destruição de safras ou danos físicos ao maquinário. Eventos climáticos extremos podem impactar a segurança alimentar de um país, uma vez que podem comprometer o abastecimento e gerar oscilações nos preços dos alimentos.

    Os riscos climáticos podem gerar impactos sobre estruturas físicas, como casas e linhas de transmissão de energia, ameaçando a segurança populacional. Na agropecuária, os riscos envolvem a destruição de culturas e equipamentos utilizados na produção rural. Além desses, há riscos associados a possíveis adversidades na transição para uma economia de baixo carbono. Destacam-se (1) riscos regulatórios, que impactam a conduta dos agentes na economia; (2) riscos legais, que correspondem a possíveis processos judiciais contra empresas ou governos; e (3) riscos tecnológicos, que exigem que firmas modifiquem seus modos de produção, o que pode surtir efeitos na estrutura de mercado.

  • Seguro rural

    O seguro rural é um instrumento para gerenciamento de riscos e tem o objetivo de proteger o contratante contra eventos adversos que podem afetar tanto a produção quanto a estrutura produtiva. Quando os fluxos de caixa são menos voláteis, os produtores rurais podem melhorar o planejamento e elevar a produtividade da terra através de investimentos em tecnologias. Desta forma, reduz-se a necessidade de utilizar mais recursos naturais, em especial a terra, para expandir a produção, aliviando as pressões por desmatamento.

    Portanto, a disponibilidade de ferramentas adequadas de gerenciamento de risco para o setor rural é de suma importância, particularmente diante do crescente risco climático e da maior frequência de eventos adversos.

    As modalidades de Seguro Rural são:

    a) Seguro agrícola

    O seguro agrícola protege o produtor rural contra perdas em suas lavouras decorrentes de eventos meteorológicos, incêndios, doenças e pragas. Diversas culturas são cobertas por essa categoria de seguro. Porém, no Brasil, mais de 80% do valor dos prêmios de seguro está associado a culturas de soja, milho e trigo.

    b) Seguro pecuário

    O seguro pecuário ressarce o pecuarista de danos causados aos animais, como a morte em decorrência de doenças, envenenamento ou picadas. Os animais podem ser destinados ao consumo, à melhoria de plantéis ou animais de trabalho.

    c) Seguro florestal

    O seguro florestal protege produtores que mantêm áreas florestais em seus processos produtivos, geralmente produtores de celulose ou indústria moveleira. A cobertura inclui proteção contra danos associados a incêndios e raios, podendo cobrir também fenômenos meteorológicos e até mesmo danos provocados por queda de aeronaves, dependendo do contrato

    d) Seguro de penhor rural e seguro de benfeitorias e produtos agropecuários

    O seguro de penhor rural, assim como o seguro de benfeitorias e produtos agropecuários, cobrem danos relacionados a bens utilizados nas atividades agropecuárias. Os danos variam desde os causados por fenômenos naturais até eventos como colisão nos veículos, desmoronamento de construção, furto ou roubo. A diferença entre os dois seguros é que o seguro de penhor rural cobre bens que foram oferecidos como garantia em operações de crédito rural.

  • Seguro de CPR (Cédula do Produto Rural)

    A CPR (Cédula de Produto Rural) é um título que representa uma promessa de entrega futura de um produto agropecuário. A CPR é uma forma de antecipar recursos ao produtor, que se compromete a resgatar financeiramente a cédula em seu vencimento. O seguro de CPR garante ao segurado o pagamento de indenização quando comprovada a falta de cumprimento de obrigações estabelecidas na CPR.

  • Proagro (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária)

    O Proagro é um programa do governo federal para proteger os produtores rurais dos riscos associados a fenômenos naturais, pragas ou doenças. O Proagro cobre os custos de produção atuando de duas formas: (1) liberando os produtores de suas obrigações financeiras em operações de crédito rural de custeio; e (2) indenizando os produtores pelos recursos próprios utilizados nas despesas operacionais.

    O programa se divide em Proagro Tradicional e Proagro Mais, este último sendo direcionado a produtores de menor porte. A adesão ao Proagro Mais é obrigatória nos financiamentos de custeio agrícola vinculados ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Para os demais produtores, a contratação do Proagro é obrigatória para empreendimentos de custeio agrícola de até R$335 mil por ano agrícola.

    As instituições financeiras estruturam as operações envolvidas na contratação do Proagro, recolhem o prêmio e transferem o valor adicional pago pelos beneficiários ao Banco Central. Além disso, as instituições financeiras notificam, verificam e calculam as perdas, e solicitam o ressarcimento ao Banco Central.

  • PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural)

    O PSR é um programa do governo federal de subsídios aos prêmios de seguro rural para auxiliar produtores a mitigar riscos associados à atividade agropecuária. O PSR é administrado pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). As modalidades cobertas pelo PSR são seguros agrícolas, pecuários, aquícolas e florestais. No entanto, em 2021, 99% do volume de subsídios concedidos pelo PSR foram direcionados a seguros agrícolas.

    Produtores interessados em prêmios de seguro subsidiados pelo PSR devem contratar um seguro junto a uma instituição financeira que, em seguida, solicita a subvenção ao Mapa. Se houver recursos disponíveis e todos os requerimentos forem atendidos, o subsídio é concedido.

    Atualmente, todas as culturas têm percentual de subvenção fixo em 40%, exceto para a soja, que é 20%. Existem também um limite de subvenção anual de R$ 60 mil por tipo de atividade e um limite de benefícios acumulados de até R$ 120 mil por produtor em cada ano.

  • ZARC (Zoneamento Agrícola de Risco Climático)

    O ZARC indica os melhores períodos para cultivo por município para mais de 40 culturas, levando em consideração o clima, tipo de solo e ciclo de cultivos. Criado pelo Mapa, Embrapa e outros parceiros, seu objetivo é ajudar na tomada de decisões nas atividades rurais e na redução de perdas. Para ser elegível a programas como PSR, Proagro e Proagro Mais, o agricultor deve produzir de acordo com o período de plantio estipulado pelo ZARC. Essa exigência busca reduzir a exposição dos recursos públicos a adversidades climáticas.

  • Garantia-Safra

    O Garantia-Safra tem como público-alvo produtores rurais familiares na região semiárida e possui o objetivo de prover uma segurança mínima para a sobrevivência da população. As exigências para recebimento do benefício são baseadas em um teto de renda familiar, área mínima de cultivo para culturas que se alinham com aquilo que é produzido na região do beneficiário e residência em um município que teve sua produção severamente prejudicada por secas ou excesso de chuvas. O programa paga um benefício de R$ 850,00 em cinco parcelas de R$ 170,00 e o produtor precisa pagar uma taxa de adesão de R$ 17,00.

  • PGPM (Política de Garantia de Preços Mínimos)

    A PGPM é uma política que tem por objetivo garantir aos produtores um preço mínimo diante de flutuações do mercado, melhorando a previsibilidade da atividade e ajudando a garantir regularidade na oferta nacional. O CMN (Conselho Monetário Nacional) estipula os preços mínimos de acordo com uma proposta elaborada pelo Mapa, que considera fatores dos mercados internos e externos. Esses preços são atualizados a cada ano agrícola e o governo federal é responsável por garanti-los.

    Apesar de ter como vantagem um baixo custo de monitoramento e verificação, o programa exige ações dispendiosas e ineficientes, como compras diretas e gerenciamento de estoque.

  • FESR (Fundo de Estabilidade do Seguro Rural)

    O FESR é um fundo público que possui o objetivo de aumentar a proteção contra riscos de catástrofes na atividade rural. Criado em 1966, o FESR funciona de maneira análoga a uma resseguradora, ou seja, cobrindo os riscos das próprias seguradoras. O fundo atende tanto entidades seguradoras quanto resseguradoras que operam nas modalidades de seguro agrícola, pecuário, aquícola, florestal e de penhor rural. A receita do FESR é composta por contribuições pagas pelas instituições financeiras quando estas obtêm resultados positivos em suas operações, além de créditos especiais da União para cobertura de eventuais déficits. É administrado pela ABGF (Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias), uma empresa pública vinculada ao Ministério da Economia.

    O FESR pode ser acionado pelas seguradoras quando a sinistralidade for maior que 100%, isto é, quando o valor total das indenizações em caso de sinistro supera o valor dos prêmios arrecadados. A seguradora recebe a cota de suas reivindicações de seguro que estão entre 100% e 150% da sinistralidade e a parcela que estiver acima de 250%. No entanto, para as seguradoras que operam com seguro de penhor rural, qualquer parcela de sinistros superior a 100% é garantida pelo FESR.

  • Susep (Superintendência de Seguros Privados)

    A Susep é uma autarquia vinculada ao Ministério da Economia que possui o papel de fiscalizar os mercados de seguros, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. Seus objetivos são contribuir para o desenvolvimento desses mercados no Brasil, garantindo a concorrência e os direitos dos consumidores.

    Qualquer empresa que deseje oferecer um produto financeiro de seguro precisa estar autorizada pela Susep. Caso o órgão encontre alguma irregularidade, ele pode aplicar sanções como multas, advertências ou até a suspensão imediata das operações.

  • Perito rural

    O perito rural é o agente responsável pelo monitoramento e verificação das perdas para os contratantes de seguro rural. Dentre suas atribuições estão: vistoriar, apurar as causas e a extensão das perdas e elaborar laudos para mensurar a qualidade da produção e a quantidade de perdas no cultivo. Diversas ferramentas podem ser utilizadas nesse processo, como GPS, imagens de satélite, dados disponibilizados publicamente ou documentos emitidos por empresas técnicas para comprovação das perdas. Esses profissionais atuam em diversos contextos e programas de seguro rural, fornecendo serviços de peritagem rural para diferentes agentes financeiros.

    A atividade dos peritos é essencial para o funcionamento adequado do seguro rural. Contudo, esses profissionais estão sujeitos a ameaças, ao recebimento de propina e à má conduta como adulteração de amostragens ou aparelhos. Além disso, há poucas exigências relacionadas à capacitação desses agentes, embora desde 2020 o Mapa venha tomando medidas visando estimular a capacitação dos peritos que atuam no âmbito do PSR.

  • Seguro paramétrico

    O seguro paramétrico toma como referência valores pré-estabelecidos de um índice, em vez de utilizar avaliações convencionais de perdas in loco como os seguros tradicionais. Por exemplo, em caso de chuvas excessivas, a indenização se dá caso o valor da precipitação pluviométrica seja superior a um parâmetro acordado entre o segurado e a seguradora. Assim, mesmo que não tenham ocorrido perdas significativas na produção, a indenização será paga em razão do evento climático ter atingido o valor estipulado.

    Dessa forma, o seguro paramétrico reduz a assimetria de informação entre segurador e segurado, uma vez que o valor do índice é observado por todos. Esse tipo de seguro também lida com o problema de incentivo dos peritos, pois a interação direta entre beneficiário e avaliador é drasticamente reduzida. Além disso, o custo de monitoramento é muito baixo, pois há pouca necessidade de auditorias e vistorias.

    No entanto, o uso de um índice objetivo como parâmetro para ressarcimento em apólices de seguro pode gerar desajustes em situações específicas. Indenizações poderão ser pagas mesmo que a produção não tenha sofrido muitos danos pelas adversidades climáticas. A recíproca também é verdadeira, isto é, produções muito afetadas pelos eventos podem ser ressarcidas em uma quantidade inferior à necessária para cobrir as perdas.

Bibliografia

Assunção, Juliano e Priscila Souza. Gerenciamento de Risco na Agricultura Brasileira: Instrumentos, Políticas Públicas e Perspectivas. Climate Policy Initiative, 2020. Disponível aqui.

Secretaria de Política Agrícola, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Requisitos Básicos para Capacitação de Peritos Rurais. Brasília:

AECS, 2020. Disponível aqui.

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Guia dos Seguros Rurais. 2019. Disponível aqui.

Priscila Souza atua como Coordenadora de Avaliação de Política Pública com foco em Instrumentos Financeiros no CPI/PUC-Rio pesquisando sobre o impacto de grandes investimentos em economias locais e crédito rural no Brasil. Priscila obteve os títulos de doutorado, mestre de filosofia e mestre de artes em Economia pela Universidade de Yale, mestrado em Economia pela EPGE/FGV-RJ e graduação Magna Cum Laude em Economia pela UFRJ.

Mariana Stussi atua como Analista na área de Instrumentos Financeiros no CPI/PUC-Rio, investigando como o uso de instrumentos de crédito rural e gerenciamento de risco agrícola impactam o uso da terra, a produtividade agropecuária e o meio ambiente. Mariana possui graduação em Economia pela PUC-Rio e mestrado em Economia pela UFRJ.

Wagner Oliveira atua como Analista Sênior com foco em Instrumentos Financeiros no CPI/PUC-Rio, onde investiga o impacto de políticas de crédito e seguro rural e como o desenho dessas políticas pode ser aprimorado para incorporar critérios de sustentabilidade. Wagner é doutor em Economia pela FGV EPGE, mestre em Economia pela UFRGS e bacharel em Economia pela UFU.

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