Embora tenha sempre sido objeto de estudo da política, a história da excepcionalidade no direito é bem mais recente. O debate sobre seus aspectos políticos e jurídicos ganhou mais corpo teórico especialmente a partir da tradução da obra de Carl Schmitt — jurista antiliberal alemão de inclinação católica conservadora, que forneceu quadro teórico para a estrutura do estado totalitário nazista — para outras línguas. Ainda que adote posição extrema, que vai contra ideais democráticos e liberais aceitos por correntes majoritárias do pensamento atual, o autor continua sendo referência nos estudos sobre o tema (Scheuerman, 2016; Kalyvas, 2008). Conforme defendido por ele, a excepcionalidade traz à tona poderes extraordinários às autoridades executivas, em detrimento das legislativas, e tem subjacente a ideia de necessidade.
A própria terminologia da excepcionalidade, porém, já é um campo controverso no direito. Tradições diferentes usaram expressões diversas para tratar de ideias similares. Ainda que hoje emergência e exceção sejam lidas como sinônimos, elas têm trajetórias distintas, e, conceitualmente, a identificação das duas ideias vem sendo questionada (Lazar, 2009).
Atualmente predomina o termo “emergência”, que se liga a uma rica história conceitual que começa na Roma Antiga, com a instauração das “ditaduras” — que, na época, não correspondiam à noção contemporânea do termo. O modelo romano de ditadura serviu de parâmetro para as formas atuais de emergência (Gross & Aoláin, 2006; Dyzenhaus, 2006). Segundo a prática, o ditador era apontado pelos cônsules da época e recomendado pelo Senado, exercendo, a partir disso, poderes excepcionais, embora chancelados pelas altas leis e a cultura política da época. O objetivo almejado era a restauração da ordem e da segurança à República, especialmente em vista de uma ameaça militar. Os poderes ditatoriais, por sua vez, eram restritos a um prazo de seis meses ou até o fim do governo dos cônsules que haviam apontado o ditador. A despeito dessa nova estrutura de poder, a política ordinária se mantinha operante, com as instituições cumprindo suas funções e servindo também como instâncias de controle ao poder ditatorial.
Partindo da tradição romana, diversos braços de literatura se formaram, e o tratamento da excepcionalidade mudou significativamente. É comum encontrar na tradição francesa referências ao estado de sítio, ao passo que na literatura anglo-saxã o debate vem geralmente associado à lei marcial e à emergência e, na literatura alemã, ao estado de exceção (Agamben, 2005; Scheppele, 2004). O conceito de lei marcial é historicamente vago, mas originalmente o termo era identificado com o direito militar e o sistema de justiça militar, sendo aplicado em tempos de guerra. Já na América Latina houve incorporação da noção francesa de estado de sítio e desenvolvimentos subsequentes.
Ditaduras hoje já não são mais entendidas nos moldes romanos e são relacionadas às ideias de falta de controle e abuso de poder. Na história recente da América Latina, por exemplo, diversos golpes civis-militares se combinaram a declarações de estado de sítio, como foi o caso do Chile em 1973. A Junta de Governo instaurada decretou-o logo após o golpe de 11 de setembro, e ele foi prolongado por quase cinco anos, sendo invocado em anos posteriores também. No Brasil, por outro lado, tal estado não foi declarado quando houve o golpe de 1964.
Hoje, a exceção no direito é tratada no campo do direito constitucional, que se ocupa dos limites do Estado frente a direitos fundamentais, separação de Poderes e parâmetros democráticos. Há, por outro lado, diversos modelos possíveis para estudá-la, a depender dos documentos em que estão previstas as regras (constituições ou não) e de que autoridades são intituladas para decretar um “estado de emergência”, deter “poderes excepcionais” e, com base neles, exercer “medidas” concretas restritivas de direitos. Alternativas críticas a esses modelos também existem e optam ou pela operação ordinária das instituições, como se não houvesse uma situação excepcional, ou pelo reconhecimento aberto de que tais situações demandam medidas fora do direito.