São o conjunto de crenças, normas e ações que alicerçam a participação social. São os pressupostos essenciais para a construção da democracia nos mais diversos âmbitos da vida: em casa, na rua, no bairro e na cidade. É a percepção ampliada de que a política é promovida pelos cidadãos. Podemos também dizer que são os princípios éticos que norteiam as práticas e as experiências das pessoas como seres políticos, nos espaços públicos, institucionais democráticos e de deliberação. Considerando, assim, o associativismo e a cooperação social como bases fundamentais das democracias uma vez que prezam pelo pluralismo e o diálogo, e ajudam ainda na relação das pessoas com a família, os amigos, o trabalho, o(a) companheiro(a). Ver também: democracia aberta.
Democracia e redução das desigualdades
Princípios e valores democráticos
Instituições democráticas
São os partidos políticos, os poderes executivo, judiciário e legislativo, nos níveis municipal, estadual e federal, e os espaços formais de participação pública. Englobam, por exemplo, o Senado, a Câmara dos Deputados, os legislativos estaduais e municipais, os governos estaduais e federal, as administrações municipais, o Supremo Tribunal Federal e demais tribunais. É importante manter as instituições democráticas porque garantem o funcionamento e o aperfeiçoamento da democracia. Trata-se de uma metodologia para a resolução de conflitos e de distribuição de poder, no chamado sistema de freios e contrapesos, em que o próprio poder fiscaliza o poder, e pela qual é possível dialogar, debater de forma plural, equacionar e solucionar questões de interesse público em temas como política, saúde, educação, meio ambiente, economia e assistência.
Espaço cívico
O espaço cívico é um “espaço público” incrementado e fortalecido pela ideia de uma cidadania ativa. Pois uma democracia bem estruturada é composta por espaços cívicos fortes. Uma vez que é a esfera de atuação pública localizada entre o Estado e a nossa vida privada. O local onde os cidadãos se organizam coletivamente buscando o consenso sobre problemas comuns. Funcionam como espaço de diálogo entre os diversos setores da sociedade e o governo. É um espaço de ação política, ao mesmo tempo em que influencia o desenho de políticas públicas. Nas periferias e nos territórios vulnerabilizados, que são produtos de injustiças, o espaço cívico ganha ainda mais importância, na medida em que pode dar voz e vez a desejos coletivos de melhorias locais. É importante destacar também que a democracia não é algo auto executável: exige formação política para a ação nos espaços públicos e cívicos.
Cidadania ativa
Se há instituições democráticas plenamente funcionando, existe a engrenagem para a cidadania, que pode ser um status político e jurídico, pois o funcionamento da política atribui às pessoas um status de cidadão que lhes permite votar e eleger representantes a cada quatro anos e reivindicar direitos, entre outras coisas. São os direitos e deveres indissociáveis dentro de uma esfera democrática. A cidadania ativa vai além do status jurídico e político. Ela passa a ser uma prática autorreferenciada em que não se necessita dos espaços institucionais para exercê-la. É quando uma pessoa toma uma decisão em relação às transformações públicas que ela quer provocar, guiada por princípios e valores éticos e atuando fora da “chave” institucional. Desse modo, novos espaços de participação e novos direitos podem ser reivindicados pelo cidadão, mesmo que não seja uma instância formal de participação e deliberação, e os valores e princípios democráticos podem ser ampliados por ele. Na cidadania ativa, os princípios e valores democráticos extrapolam para os espaços não convencionais, para fora dos partidos, das instâncias de participação e das instituições democráticas. Alguns exemplos são a mobilização para a criação espontânea de um plano de bairro por moradores, a realização de um mutirão de plantio de árvores, a promoção de uma comemoração coletiva na comunidade ou a convocação de um plebiscito.
Democracia aberta
É a ideia de que a democracia possui uma dimensão relacional, transversal e com ampla participação. A partir disso, podemos adotar uma nova visão da democracia: mais aberta, mais direta, mais interativa. Como os valores e os princípios democráticos manifestam-se na prática cotidiana como, por exemplo, nas relações fraternais, em casa ou no ambiente de trabalho. Ela extrapola as instituições democráticas, os espaços cívicos e os espaços públicos. A ideia é que os valores e princípios democráticos precisam circular amplamente em outros lugares, ampliando, por exemplo, os processos de tomada de decisão, trazendo-se mais pessoas para os debates nos canais de escuta. Ou seja, o conceito traz a seguinte premissa: tem-se que ser democrático cem por cento do tempo, por meio de um exercício pleno, e isso vale até para reuniões de vizinhos para decidirem uma festa coletiva na rua do bairro.
Desobediência civil
Trata-se do descumprimento momentâneo do contrato social dado, de forma consciente e politizada, uma vez que ele é considerado injusto e promotor de desigualdades, por meio de ações públicas de resistência que são um registro da insatisfação. Parte das seguintes indagações: “o quanto é justo eu obedecer a um Estado ou a uma instituição democrática que são responsáveis pela desigualdade que estou sofrendo? O quanto é justo eu respeitar um Estado injusto e manter um contrato desigual? Até que ponto é justo eu obedecer a um contrato que me gera injustiça?”. Problematiza-se o contrato dado e se rompe com ele. Há teóricos do liberalismo que não reconhecem como criminosas ações de rompimento do contrato, mas sim como manifestações legítimas ações como as queimas de estátuas, patrimônio público, ônibus, pneus, ou as ocupações de prédios públicos, desde que não se atente contra a vida de outra pessoa, nem tolha suas liberdades individuais (ver, por exemplo, John Rawls, 1971 - Uma Teoria da Justiça - Secs. 55, 57 e 59).
BIBLIOGRAFIA
Markovits, Daniel (2019) The Meritocracy Trap: How America's Foundational Myth Feeds Inequality, Dismantles the Middle Class, and Devours the Elite. Penguin Press.
Rawls, John (1955) “Two Concepts of Rules”, in: The Philosophical Review 64 (1), pp. 3 -32.
Rawls, John (1971) A Theory of Justice. Harvard University Press.
Rawls, John (2001) Justice as Fairness: A Restatement. Harvard University Press.
Rawls, John (2012) “Observações Sobre a Filosofia Política”, in: Conferências sobre a História da Filosofia Política. Martins Fontes.
Shelby, Tommie (2007) “Justice, Deviance and the Dark Ghetto”, in: Philosophy & Public Affairs 35 (2), pp. 126 - 160.
Shelby, Tommie (2016) Dark Ghettos: Injustice, Dissent and Reform. Harvard University Press.
Diamond, Larry. (2017) Para entender a democracia, 1. ed. Curitiba: Instituto Atuação.
“O que é Espaço Cívico?”. Vídeo produzido pelo Instituto Igarapé. Disponível aqui.
Marcio Black é doutor em ciência política, produtor cultural e coordenador do programa de democracia e cidadania ativa da Fundação Tide Setubal. Foi candidato a vereador de São Paulo em 2016 e fundador do Coletivo Sistema Negro, grupo de ação antirracista na cidade de São Paulo. Desde 2002, promove festas de rua na capital paulista, o que o levou a integrar a coordenação do Carnaval de Rua e a Virada Cultural nos anos de 2016 e 2017. Atualmente, também é líder público da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) e da Fundação Lemann.