BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Programas de parentalidade no Brasil

Elisa Rachel Pisani Altafim 8 de Fevereiro de 2023 (atualizado 8/01/2024 às 14h12)

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A psicóloga Elisa Rachel Pisani Altafim recomenda cinco publicações recentes para entender os benefícios de programas de parentalidade no desenvolvimento das crianças

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A parentalidade positiva pode ser definida como o conjunto de estratégias, práticas, habilidades e atividades desempenhadas pelo cuidador para cuidar, educar e promover o desenvolvimento da criança com proteção, cuidados responsivos e estimulação.

Os programas de parentalidade visam fortalecer a parentalidade positiva e promover o desenvolvimento integral das crianças. Esses programas apoiam os pais no fortalecimento e desenvolvimento de relacionamentos positivos e harmoniosos com os seus filhos, que envolvem a segurança, afeto, cuidados, estabilidade, estratégias de disciplina positiva e a ausência de práticas punitivas com o uso de violências.

Muitas famílias ainda utilizam práticas negativas com seus filhos, como a violência (tapas, palmadas e abuso psicológico) –, que representam fatores de risco para o desenvolvimento das crianças. Essas práticas podem ser modificadas por meio de programas de parentalidade como meio de auxiliar a quebrar ciclos intergeracionais de violência .

Os programas de parentalidade que visam melhorar a qualidade de vida das crianças e de seus cuidadores podem ser realizados no formato de encontros em grupo, visitas domiciliares e com o apoio de tecnologias.

A seguir, recomendo cinco publicações atuais que ajudam a entender os programas de parentalidade, seus benefícios na promoção do desenvolvimento das crianças e fortalecimento das famílias com crianças na primeira infância. O conjunto de publicações aborda as diferentes modalidades de implementação, a adaptação de programas de visitas domiciliares durante a pandemia e a integração de serviços, programas e projetos vinculados à políticas públicas.

Programa de parentalidade: da evidência científica para a implementação em escala

Elisa Rachel Pisani Altafim e Maria Beatriz Martins Linhares (Revista Brasileira de Avaliação, 2022)

O artigo apresenta uma síntese das evidências científicas nacionais e internacionais sobre os efeitos do programa de parentalidade e prevenção de violência denominado “ ACT Para Educar Crianças em Ambientes Seguros ”, programa desenvolvido pela American Psychological Association, nos Estados Unidos da América, com início no Brasil em 2012 a partir da realização de pesquisas de validação e eficácia para o contexto nacional.

O programa consiste na realização de oito encontros em grupo, uma vez por semana, com duração de duas horas, com os seguintes conteúdos: a) compreensão do comportamento e desenvolvimento infantil; b) violência na vida das crianças; c) manejo da raiva no adulto; d) como ajudar a criança na regulação emocional incluindo a regulação da raiva; e) a influência da mídia eletrônica; f) estilos parentais; g) disciplina positiva; h) e a função dos pais na promoção de ambientes seguros para as crianças.

Os resultados das pesquisas com o ACT demonstraram que após a participação no programa, os cuidadores melhoraram as suas práticas de parentalidade positiva como a comunicação, regulação emocional e comportamental e de disciplina positiva. Além disso, verificou-se uma diminuição no uso de práticas que envolvem a violência (tapas, palmadas e xingamentos) e uma diminuição nos problemas de comportamento das crianças.

A avaliação da Teoria da Mudança do Programa ACT demonstrou que, ao modificar as práticas parentais das mães participantes do Programa ACT, verifica-se uma diminuição nos problemas de comportamentos das crianças. O artigo também apresenta um projeto de implementação do Programa ACT em larga escala com sustentabilidade no sistema público.

Atualmente o programa encontra-se em fase de implementação vinculado às políticas públicas para famílias com crianças na primeira infância no Estado do Ceará. Este projeto de implementação em escala possui o financiamento das fundações Maria Cecilia Souto Vidigal, Bernard van Leer e Porticus.

No processo de implementação em escala foi relevante assegurar a qualidade da formação dos facilitadores para que o programa seja realizado com fidelidade e promova efeitos positivos no fortalecimento da parentalidade positiva. Além do treinamento, o artigo destaca a importância de diferentes fatores para garantir a qualidade na implementação, tais como: supervisão dos facilitadores, monitoramento e avaliação, objetivo e população claramente definidos; adesão e dosagem, recursos, identificação das barreiras e articulação com outros serviços e programas na área da primeira infância. Saiba mais, aqui , sobre o Programa ACT e estudos realizados no Brasil.

A Home Visit-Based Early Childhood Stimulation Programme in Brazil: a Randomized Controlled Trial


Alexandra Brentani, Susan Walker, Susan Chang-Lopez, Sandra Grisi, Christine Powell e Günther Fink (Health Policy and Planning, 2021)

Os programas de visitas domiciliares possuem evidências científicas dos seus efeitos para a promoção do desenvolvimento infantil. Um estudo, coordenado pela professora Alexandra Brentani, da USP (Universidade de São Paulo), realizado na cidade de São Paulo com 826 mães e seus filhos(as) avaliou um programa de visitas domiciliares desenvolvido na Jamaica denominado Reach-UP e que foi adaptado para o Brasil.

O programa visa apoiar os cuidadores na utilização de práticas parentais positivas e na estimulação das crianças nas diferentes áreas do desenvolvimento, como a cognitiva, a linguagem, o desenvolvimento motor e o socioemocional. Durante as visitas domiciliares , o visitador apresenta e discute com os cuidadores maneiras simples de interagir com as crianças para fortalecer os ambientes acolhedores para as famílias e melhorar as habilidades das crianças.

O programa usa um currículo estruturado para orientar os profissionais que realizam a intervenção, cuja ênfase é a melhoria das habilidades dos cuidadores na promoção da aprendizagem e no desenvolvimento das crianças por meio de interações responsivas. Os resultados desse estudo demonstraram uma melhora no desenvolvimento das crianças, das famílias que participaram de no mínimo dez visitas domiciliares.

Esses resultados sugerem que os programas de visita domiciliar têm potencial para melhorar o desenvolvimento infantil e reforçam a importância de uma dosagem mínima de participação nas visitas domiciliares para verificar os efeitos positivos do programa de parentalidade.

Os autores ressaltam que para garantir uma intervenção adequada e um impacto significativo do programa são necessárias diferentes estratégias, como uma implementação cuidadosa, o monitoramento, o direcionamento e a coordenação de iniciativas na área do desenvolvimento das crianças entre as diferentes áreas e setores.

O estudo contou com o apoio do Grand Challenges Canada, Saving Brains e da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

A Personalized Remote Video-Feedback Universal Parenting Program: a Randomized Controlled Trial

Maria Beatriz M. Linhares, Elisa R. P. Altafim, Cláudia M. Gaspardo, and Rebeca C. de Oliveira (Psychosocial Intervention, 2021)

O artigo avaliou os efeitos da participação de mães de crianças de dois a seis anos de idade no Programa Fortalecendo Laços, que é um programa de vídeo feedback remoto para a promoção da parentalidade positiva. Essa iniciativa foi desenvolvida no Brasil por pesquisadoras da USP (Universidade de São Paulo) no contexto do laboratório de inovação do Núcleo Ciência pela Infância iLab, de acordo com a metodologia do IDEAS do Frontiers of Innovation (Center on the Developing Child Harvard).

O Fortalecendo Laços envolve o envio de vídeos personalizados para cada mãe com feedback sobre seu comportamento interativo com o seu filho(a) via WhatsApp. As participantes têm acesso a conteúdos sobre comportamento interativo e práticas positivas maternas.

O artigo demonstra os efeitos do programa na diminuição das práticas parentais coercitivas das mães e nos problemas de comportamento das crianças. A análise da teoria da mudança do programa demonstrou que ao participar do Fortalecendo Laços as mães melhoraram o senso de competência parental e diminuíram as práticas coercitivas – essa diminuição das práticas negativas está relacionada com a diminuição nos problemas de comportamento.

Recentemente foi elaborado um aplicativo, em uma parceria de pesquisadoras da USP com pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba, que permite que o programa seja testado em escala e implementado por profissionais que atuam diretamente com as famílias, como os visitadores domiciliares. Para saber mais sobre o aplicativo acesse aqui o artigo “Aplicativo para produção de vídeos em smartphone com foco em vídeo coaching”.

Parentalidade: práticas de visitadores adaptadas à pandemia

Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (2021)

Durante a pandemia, os programas de visitas domiciliares precisaram ser adaptados por conta das medidas de isolamento social, que em grande medida dificultaram a prática presencialmente.

Essa publicação reúne práticas de 100 visitadores domiciliares, das cinco regiões brasileiras, realizadas durante o período da pandemia com as famílias de crianças na primeira infância.

As práticas dos visitadores domiciliares foram apresentadas e agrupadas por temas como: estratégias para envolver as famílias, atividades e apoio às gestantes, brincadeiras e atividades criativas, fortalecimento do vínculo, fortalecimento das redes de apoio, a contação de histórias, fortalecimento da figura paterna, intersetorialidade, valorização da cultura local e outros.

As atividades apresentadas mostraram a relevância das visitas domiciliares para a promoção do desenvolvimento infantil e para o fortalecimento da parentalidade positiva.

Integração das ofertas socioassistenciais: um olhar para a primeira infância

Ministério da Cidadania, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e Instituto Tellus (2022)

A publicação tem como foco as ofertas, incluindo os serviços, programas e projetos, na área da primeira infância que contribuem para o fortalecimento da rede de proteção da primeira infância no âmbito da política de assistência social no Brasil.

Seu objetivo é indicar caminhos para integração entre as ofertas socioassistenciais, incluindo a oferta integrada entre o Paif (Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família), o SCFV (Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos) e o PCF (Programa Criança Feliz).

O SCFV realiza atividades coletivas, por meio de grupos de convivência, organizadas por ciclos de vida. No Programa Criança Feliz são realizadas visitas domiciliares como método específico de intervenção parental. O Paif tem como objetivo o fortalecimento de vínculos, a parentalidade positiva, prevenção da violência e de outras violações de direitos na família.

A publicação explica os objetivos e ações do Paif, SCFV e PCF e os possíveis caminhos para a integração dessas ofertas.


Elisa Rachel Pisani Altafim é psicóloga com doutorado e pós-doutorado em saúde mental na FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), com período de pesquisadora visitante na Harvard Graduate School of Education. Atualmente é docente e orientadora no Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental na FMRP-USP.