Desigualdades raciais, escola e a pesquisa quantitativa

Lara Prata dos Santos Miranda

A pesquisadora Lara Miranda recomenda cinco leituras que tratam de forma conjunta os temas da questão racial e da educação no campo das ciências sociais

O tema da educação encontrou cedo seu reconhecimento no campo das ciências sociais. No centro das teorias sociais o conceito de educação se descreve de maneira mais frequente por sua função de socialização e formação cultural e técnica dos indivíduos, aspecto que realça o papel dos sistemas escolares como um ícone do ideal de igualdade, já a entrada da categoria raça como fator de análise das relações sociais, nas ciências sociais, foi um pouco mais lenta.

A emergência de políticas sociais afirmativas orientadas para a raça, especialmente no campo da educação, é provavelmente a causa principal da crescente importância dada aos estudos que unem os temas da raça e educação nas ciências sociais brasileiras nas últimas décadas, tanto do ponto de vista político quanto social (Barbosa, 2005) 1. Neste sentido, apresento caminhos possíveis para a análise das desigualdades raciais na educação.

Raça e educação: os elos nas ciências sociais brasileiras

André Brandão e Anderson Paulino Silva (EDUFBA, 2008)

O artigo percorre os fatores que desencadeiam a persistência das desigualdades educacionais entre brancos e não-brancos no contexto brasileiro, identificando ao nível teórico o papel assumido pelas ciências sociais. Os autores afirmam que o sistema de educação universal aponta para uma noção de equidade social que se associa à competência do indivíduo na assimilação dos conteúdos que fazem parte dos currículos escolares. Em contraposição, diversas pesquisas no campo da sociologia contemporânea – recorte utilizado pelos autores –, e mais recentemente no da educação, vêm demonstrar as variações de rendimento relacionadas aos grupos diferenciados pela raça, sexo, classe e origem social.

O trabalho se divide em duas seções: “O Estado nação e a cidadania das raças” e “A educação por direito”. O primeiro trata da própria concepção de raça na sociedade brasileira, trazendo desde as transformações políticas causadas pelo pós-abolição e como a relação raça-educação era também usada como ferramenta de eugenia e controle até as discussões contemporâneas sobre a revisão dos conteúdos dos livros didáticos e das práticas docentes, a ação social e política dos cursos PVNC (Pré-vestibulares para Negros e Carentes), a adoção de cotas raciais em universidades públicas a revisão dos conteúdos curriculares nacionais. Já a segunda seção aponta, dentre outras coisas, para a contradição entre a universalidade da educação e a persistência das desigualdades raciais. Neste sentido, este trabalho se apresenta como basilar para entender como as ciências sociais vêm observando as desigualdades raciais na educação brasileira.

Raça e oportunidades educacionais no Brasil

Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva (Cadernos de Pesquisa, 1990)

O artigo caracteriza a desigual apropriação das oportunidades educacionais por parte de brancos e não-brancos no Brasil, apontando os efeitos acumulados da discriminação racial no âmbito da educação formal. A pesquisa teve como base os dados da PNAD de 1982 e em seu suplemento especial sobre educação, tendo como objetivo a descrição das trajetórias educacionais dos grupos de cor branca, preta e parda, onde se evidenciavam as desvantagens no acesso à escola e no ritmo de progressão escolar por crianças não-brancas. Mesmo não sendo uma pesquisa recente, este trabalho é de grande relevância para os estudos sobre desigualdade educacional, já que apresenta uma análise quantitativa do problema e resultados e hipóteses que ainda são discutidas contemporaneamente

Os resultados indicaram que, no que diz respeito ao acesso ao sistema escolar, uma proporção mais elevada de crianças não-brancas ingressava tardiamente na escola. Além disso, a proporção de pretos e pardos que não tinham acesso algum à escola era três vezes maior que a dos brancos. Uma análise importante que a pesquisa quantitativa permitiu, foi a percepção de que estas desigualdades não poderiam ser explicadas nem por fatores regionais, nem pelas circunstancias socioeconômicas das famílias. Embora houvesse uma redução da proporção de crianças que não tinham acesso à escola independentemente de sua cor, em famílias com uma melhor situação socioeconômica, ainda persistia uma diferença clara nos níveis gerais de acesso entre crianças brancas e não brancas. A análise de repetência mostrou que, adicionado ao efeito do acesso tardio, o resultado é uma trajetória escolar mais lenta e acidentada entre crianças pretas e pardas.

Caracterização das desigualdades educacionais com dados públicos: desafios para conceituação e operacionalização empírica

Maria Teresa Gonzaga Alves (Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 2020).

A autora cita que um fator primordial para que a sociologia da educação se institucionalizasse enquanto campo de pesquisa, foi a disponibilidade de dados em larga escala produzidos em pesquisas demográficas e grandes surveys educacionais realizados em países desenvolvidos (Forquin, 1995). Esses levantamentos de dados tiveram como motivação a investigação das desigualdades de acesso e de resultados escolares entre classes sociais, grupos raciais, gênero local de moradia e outras variáveis, assim como as condições da oferta educativa (perfil dos professores, infraestrutura, recursos educacionais). Este trabalho pode ser visto como uma bibliografia primária sobre o uso de indicadores educacionais como ferramenta de mensuração e/ou análise de desigualdades.

Logo na introdução do texto a autora discorre sobre a criação, tanto no âmbito nacional como no internacional, da produção de dados sobre resultado educacional; discussão importante para entender a metodologia que está por trás desses indicadores. A segunda parte do texto é dedicada a exemplificar a potencialidade dos dados retirados da Prova Brasil – avaliação em larga escala de escolas públicas de ensino fundamental– para o estudo das desigualdades educacionais. O primeiro estudo caracteriza as desigualdades de resultados escolares das escolas públicas brasileiras segundo grupos sociais. O segundo apresenta evidências sobre as condições da oferta educativa nas escolas públicas e a relação com o efeito das escolas.

Desigualdades raciais no sistema brasileiro de educação básica

José Francisco Soares e Maria Teresa Gonzaga Alves (Educação e Pesquisa, 2003)

Este artigo analisa as desigualdades do desempenho escolar entre alunos discriminados por raça, com ênfase no impacto de algumas políticas e práticas escolares na produção de equidade entre esses grupos. A metodologia utilizada foram os modelos de regressão que permitem manter na análise os dois níveis hierárquicos presentes nos dados, isto é, alunos e escolas. Os resultados mostraram que há um grande hiato entre alunos brancos e negros e, em menor grau, entre alunos brancos e pardos em relação ao desempenho escolar; e que os fatores produtores de eficácia do ensino não têm uma distribuição equânime, pois eles favorecem principalmente o desempenho escolar dos estratos socialmente mais privilegiados.

A relevância deste trabalho está na excelente utilização de ferramentas quantitativas na análise dos dados, em contrapartida, a própria eficácia acadêmica demonstra os limites da pesquisa quantitativa. Em apontamento feito pela autora identificamos que os dados coletados em um tipo de levantamento como o Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), sofrem um problema fundamental. Por exemplo, podemos assumir que determinadas práticas escolares estão associadas à melhoria da proficiência dos alunos. Isso é correto, mas é igualmente razoável argumentar que os professores ajustam seus métodos e práticas de ensino às habilidades acadêmicas de seus alunos. A principal conclusão deste trabalho é, portanto, a consciência da importância de formulação e implementação de políticas públicas e escolares, não só para a melhoria do desempenho escolar de uma forma geral, mas também para diminuir o impacto da origem socioeconômica e da raça do aluno no desempenho escolar.

Desigualdades ocupacionais e educacionais

Nelson Silva (Vértice, 1988)

Os artigos presentes no livro “Estrutura social, Mobilidade e raça” tratam de três temas que se relacionam aos traços gerais do desenvolvimento econômico do Brasil: as rápidas mudanças na estrutura social ocorridas dentro dos limites de um modelo de modernização conservadora; a reordenação dos perfis de estratificação e os processos decorrentes de mobilidade social; e o papel desempenhado pelas diferenciações raciais na alocação de posições na estrutura social. Um dos pontos relevantes deste trabalho é que os capítulos que se referem a raça dialogam criticamente com as interpretações tradicionais da questão racial no Brasil e contribuem com evidências novas ao diagnóstico da situação social da população negra.

Tendo como base um trabalho anteriormente publicado por Amaury de Souza, que explorou as relações entre urbanização, industrialização e desigualdades raciais no Brasil baseado nos dados do censo demográfico de 1950, a seção “Desigualdades ocupacionais e educacionais” destaca duas conclusões do trabalho mencionado. Considerando a divisão entre as categorias de pessoas alfabetizadas e analfabetas, o processo de urbanização tende a ampliar as oportunidades da população de cor na esfera educacional, no sentido de diminuir a desigualdade relativamente ao grupo branco. Já levando em conta a distinção entre ocupações manuais e não manuais, o processo de industrialização tende a ampliar as possibilidades ocupacionais do grupo de cor. O trabalho tem como objetivo principal ver como as desigualdades se comportam na comparação entre a região sudeste e o resto do país.

Lara Prata dos Santos Miranda é cientista social e mestranda em sociologia pela UFF (Universidade Federal Fluminense); assistente de pesquisa do Núcleo Afro/Cebrap e coordenadora de pesquisa do Icafro.

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