Supremo Tribunal Federal, direito à educação e o caso do ensino domiciliar

Fernando Romani Sales

Dissertação

Processo decisório do Supremo Tribunal Federal e direito à educação: uma análise das funções da corte a partir do caso do ensino domiciliar

autor

Fernando Romani Sales

orientador

José Garcez Ghirardi

Área e sub-área

Direito e desenvolvimento, Direito constitucional

Defendido em

FGV Direito SP (Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas) em 29/04/2021

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Esta dissertação de mestrado, defendida na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, analisa como o STF desempenhou suas funções judicante, de interlocução institucional e deliberativa na decisão do caso sobre o ensino domiciliar.

A análise da decisão revelou uma multiplicidade de compreensões dos ministros sobre a controvérsia jurídica, uma vez existiram votos pela constitucionalidade e pela inconstitucionalidade do ensino domiciliar, entre outros aspectos do caso.

A qual pergunta a pesquisa responde?

A pesquisa responde à seguinte pergunta: “Como o STF desempenhou suas funções judicante, de interlocução institucional e deliberativa na decisão do caso sobre o ensino domiciliar?

A investigação, portanto, parte do pressuposto de que cortes constitucionais desempenham funções específicas nos regimes democráticos. A função judicante, por exemplo, trata da apreciação e solução de problemas jurídicos que se apresentam na esfera de competência da corte. Já a função de interlocução institucional diz respeito ao diálogo que a corte estabelece com os demais poderes e instituições políticas, no que tange a formulação de políticas públicas, a partir dos resultados obtidos no controle de constitucionalidade - análise de compatibilidade entre atos e leis com a Constituição.

A função deliberativa, por sua vez, se refere à troca e exposição para a sociedade e os demais atores políticos dos argumentos e das razões jurídicas que a corte utiliza para justificar suas decisões. O modo que a pesquisa investigou a qualidade do desempenho dessas funções pelo STF foi a partir da análise de um caso específico, que tratou do controle de constitucionalidade sobre a figura do ensino domiciliar.

Por que isso é relevante?

A literatura que estuda cortes constitucionais costuma questionar a legitimidade democrática desses tribunais, tendo em vista que, diferentemente dos poderes Executivo e Legislativo, os membros do Judiciário não costumam ser diretamente eleitos pelo povo. Essa falta de controle direto entre povo e Judiciário, que esbarra numa questão de representatividade política, representa um déficit democrático de cortes constitucionais. Uma das principais formas de supremas cortes sanar esse déficit democrático é a partir da qualidade no desempenho de suas funções, entre estas, a de deliberação e de interlocução institucional.

Quando cortes constitucionais desempenham o controle de constitucionalidade, elas executam a função de interlocução institucional na medida em que suas decisões podem impactar diretamente a formulação de políticas públicas. Pegando a figura do ensino domiciliar como exemplo, até o presente momento não existem leis que regulam esse método educacional. Ao ser chamado para avaliar a compatibilidade do ensino domiciliar com a Constituição, a decisão do STF informou os demais poderes se seria ou não possível (i) elaborar e promulgar uma lei que discipline o ensino domiciliar; (ii) formular uma política pública que regule o desempenho do método domiciliar.

Uma outra função importante para a redução do déficit democrático é a qualidade das deliberações da corte, isto é, o grau de troca e exposição pública razões jurídicas que justificam as decisões do tribunal. Quanto melhor for o grau de deliberação da corte, maior será o grau de legitimidade de suas decisões. Ao mesmo tempo, um tribunal que não fundamenta ou fundamenta mal suas decisões terá grandes chances de enfrentar problemas de legitimidade e reconhecimento político e social de suas decisões.

Resumo da pesquisa

Com o objetivo de avaliar o desempenho das funções judicante, de interlocução institucional e deliberativa do STF, a pesquisa analisou a decisão do tribunal sobre a figura do ensino domiciliar. O caso foi trazido à corte por uma família que desejava ensinar seu filho em casa, mas que teve esse pedido negado nas esferas inferiores do Judiciário. A decisão do STF respondeu a duas questões: se a família poderia ensinar seu filho em casa; e se o ensino domiciliar é compatível ou não com a Constituição, tendo em vista as diretrizes educacionais e os requisitos de ensino presentes no texto constitucional.

A pesquisa partiu da hipótese, já existente na literatura, de que o desempenho da função deliberativa da corte seria prejudicado por uma fragmentação argumentativa da decisão final do tribunal.

A metodologia da pesquisa se valeu dos métodos de análise de jurisprudência e documental, pois o objeto de estudo foi o acórdão (decisão final) do STF sobre o caso do ensino domiciliar. A pesquisa analisou inicialmente os votos de cada um dos ministros, no intuito de identificar (i) as teses centrais, isto é, o argumento principal para resolver o caso (recurso extraordinário) e a controvérsia jurídica (constitucionalidade ou inconstitucionalidade do ensino domiciliar); (ii) os fundamentos jurídicos, que poderiam ser dispositivos constitucionais ou infraconstitucionais, jurisprudência do STF ou internacional, convenções e tratados internacionais; (iii) a estrutura argumentativa dos votos, ou seja, se os argumentos eram de ordem literal, de mudança social, sistemáticos, de vontade do legislador constituinte, de precedentes judiciais, ou de função do tribunal constitucional. Posteriormente foi feita análise da decisão final colegiada, isto é, o entendimento geral da corte.

Quais foram as conclusões?

A análise da decisão revelou uma multiplicidade de compreensões dos ministros sobre (a) controvérsia jurídica, uma vez existiram votos pela constitucionalidade e pela inconstitucionalidade do ensino domiciliar; (b) dos sentidos atribuídos a fundamentos jurídicos chave para a resolução da controvérsia, já que ministros usaram os mesmos fundamentos para chegar em resoluções opostas; (c) as estruturas argumentativas, pois os votos usaram diferentes tipos de argumentos, tendo um mesmo tipo de argumentação sido usada para defender posições antagônicas; e (d) visões do Estado no desempenho do dever educacional, já que alguns ministros entenderam que o Estado deve ter uma postura mais liberal, de permitir a escolha dos pais pelo método domiciliar ou pelo ensino formal; outros ministros defenderam um modelo de Estado provedor, em que o ensino domiciliar seria proibido, pois o dever educacional seria competência exclusiva do Estado; e outros ministros defenderam um modelo de Estado regulador, em que o ensino domiciliar seria possível, desde que regulado por avaliações periódicas do Estado.

A fragmentação argumentativa da decisão comprovou a hipótese de pesquisa, uma vez que foram identificados problemas no desempenho das funções de interlocução institucional e deliberativa. Assim, as conclusões sugerem que a dinâmica decisória do STF limita sua capacidade de contribuir para a formulação de políticas públicas. Em decisões da corte que tratam de direitos fundamentais e políticas públicas, entender quais são as visões de Estado (liberal, provedor, regulador, etc.) que informam os votos individuais e o pronunciamento colegiado é uma categoria analítica imprescindível para investigar a argumentação jurídica da corte e as ponderações realizadas pelo tribunal.

Quem deveria conhecer os seus resultados?

Estudiosos do processo decisório do STF, bem como acadêmicos que investigam a relação do Judiciário com os demais poderes e instituições políticas. Além disso, a pesquisa compreende ser de interesse público entender a forma como a principal corte do Judiciário brasileiro resolve e justifica suas decisões, uma vez que isso permite avaliações fundamentadas sobre o desempenho do STF, na tentativa de qualificar o debate público sobre controle de cortes constitucionais.

Referências

Dimoulis, Dimitri.; Lunardi, Soraya. A decisão do STF sobre a união de pessoas do mesmo sexo. In: STF e direitos fundamentais: diálogos contemporâneos (Org.) Robério Nunes dos Anjos Filho. Salvador: Juspodivm, 2013, pp. 139-154

Mendes, Conrado Hubner. O projeto de uma corte deliberativa. In: Jurisdição constitucional no Brasil. (Org.) Henrique Mota Pinto. São Paulo: Malheiros, 2012.

Ranieri, Nina. O novo cenário jurisprudencial do direito à educação no Brasil: o ensino domiciliar e outros casos no Supremo Tribunal Federal. Proposições. v.28. n.2. 2017, pp.141-171.

Rodriguez, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma crítica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

Silva, Virgílio Afonso da. O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública. Revista de Direito Administrativo, 2009, pp.197-227.

Fernando Romani Sales é doutorando em direito constitucional na USP (Universidade de São Paulo), mestre em direito e desenvolvimento pela FGV Direito SP (Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), bacharel em direito pela FDSBC (Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo). É pesquisador no LAUT (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo).

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