Qual a credibilidade das metas de neutralidade climática

Joana Portugal-Pereira

Paper

Lacuna de credibilidade nas metas de emissão zero coloca o mundo em alto risco

Credibility Gap in Net-Zero Climate Targets Leaves World at High Risk

autores

Joeri Rogelj, Taryn Fransen, Michel G. J. den Elzen, Robin D. Lamboll, Clea Schumer, Takeshi Kuramochi, Frederic Hans, Silke Mooldijk e Joana Portugal-Pereira

Área e sub-área

Mudanças climáticas, Política climática

Publicado em

Science em DATA

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A crise climática é um dos desafios mais urgentes que a humanidade enfrenta atualmente, exigindo ações imediatas e efetivas para mitigar seus impactos. No âmbito do Acordo de Paris, em 2015, 195 países se comprometeram em estabilizar o aquecimento global em níveis bem-abaixo de 2°C e idealmente 1,5°C até ao final do século, comparativamente com níveis pré-industriais. Para tal, segundo o Artigo 4 do Acordo de Paris, é necessário começar a reduzir as emissões anuais de GEE (gases de efeito estufa) o mais rapidamente possível e atingir neutralidade líquida de emissões de dióxido de carbono por volta do meio deste século.

As metas de neutralidade climática têm sido amplamente anunciadas por governos e organizações internacionais como um compromisso para limitar o aquecimento global. No entanto, a sua credibilidade tem sido objeto de intensos debates e questionamentos. Como acreditar que um certo país irá atingir a meta de neutralidade climática em 2050, ou seja, em apenas 27 anos, se desde a última década as suas emissões de GEE não param de aumentar e se não existem políticas setoriais nem evidências de ações imediatas para abrandar a tendência crescente das emissões?

Nesse contexto, uma Perspectiva publicada na revista Science avalia a implementação de metas climáticas de longo-prazo em diferentes setores e regiões geográficas e sua relação com as emissões de gases de efeito estufa. Foram examinados bancos de dados relevantes, incluindo tendências de emissões de GEE entre 2020 e 2030, o progresso na implementação de medidas de mitigação e resultados alcançados até ao momento.

A qual pergunta a pesquisa responde?

Podemos acreditar que os 195 países signatários do Acordo de Paris cumprirão os compromissos de longo-prazo que assumiram em relação às metas de redução de gases de efeito estufa?

Por que isso é relevante?

Esta pesquisa avalia a credibilidade das metas de neutralidade climática de longo-prazo estabelecidas pelos países signatários do Acordo de Paris. Enquanto anteriormente a maioria das atenções esteve voltada para a definição de metas ambiciosas, agora é crucial dar um passo além e analisar a implementação de planos e políticas concretas para alcançar tais metas. Portanto, foram avaliadas as características das estratégias de neutralidade climática para zerar emissões até o meio deste século e atribuíram-se classificações de credibilidade a essas metas.

Ao considerar a credibilidade das metas de neutralidade climática, o estudo demonstra que o mundo está ainda muito distante de alcançar um futuro climático seguro e que é fundamental traduzir os planos de implementação em políticas de curto-prazo, garantindo a redução das emissões o mais rápido possível.

Resumo da pesquisa

Este estudo avalia a credibilidade de promessas climáticas e indica se as estratégias de neutralidade climática anunciadas serão implementadas de forma imediata e efetiva. O objetivo principal foi verificar se as promessas de neutralidade climática dos países são credíveis e qual o seu impacto na trajetória de emissões de GEE e na temperatura média global do planeta até ao final deste século. Para tal, foram analisadas três características das políticas climáticas de cada país: (i) o estatuto legal da meta de redução de emissões, (ii) a robustez do plano de implementação, e (iii) a tendência das emissões nacionais na década atual (2020-2030). Com base nestas características, foi atribuída uma classificação de credibilidade a cada uma das metas de neutralidade avaliada, resultando em projeções de emissões e de temperatura até ao final deste século.

Foram avaliadas as metas climáticas das economias do G20 e outros 18 países, que correspondem a 82% do total de emissões antropogênicas globais. Os resultados indicam que nove em cada 10 promessas anunciadas apresentam baixa credibilidade, o que nos coloca demasiado longe de alcançar um futuro climático considerado seguro pela ciência. Se confiarmos apenas nas políticas atuais já implementadas e nas promessas futuras com alta credibilidade, o aquecimento global poderá chegar a 2,4°C ou mesmo a 3°C acima de níveis pré-industriais até 2100. Tal é insuficiente para atingir os próprios limites estabelecidos pelo Acordo de Paris e evitar impactos climáticos irreversíveis, tais como a degradação do bioma da Amazônia e perdas de biodiversidade.

O estudo ressalta a necessidade de executar metas legalmente vinculativas, planos de implementação claros e detalhados, assim como políticas de curto prazo que diminuam de imediato as emissões. Além disso, destaca-se que, apesar das melhorias, os riscos climáticos não serão completamente eliminados, mas a definição e realização de metas de curto e longo prazo são fundamentais para mitigar os impactos potencialmente desastrosos das mudanças climáticas.

Quais foram as conclusões?

Esta pesquisa revelou que a maioria das metas de neutralidade climática estabelecidas pelos países apresenta baixa credibilidade. A análise das políticas climáticas de cada país permitiu concluir que mais de 90% das promessas são infundamentadas e poderão resultar em níveis de emissões de GEE superiores a 40 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e), o que está longe das emissões líquidas nulas necessárias para alcançar um futuro climático seguro. Isso significa que até ao final deste século poderemos atingir um nível de aquecimento global entre 2,4 e 3°C superior aos níveis registrados antes da revolução industrial e nos coloca muito distantes das metas estabelecidas no Acordo de Paris.

A implementação de políticas climáticas concretas no curto-prazo é fundamental para atingir as promessas das metas de neutralidade climática anunciadas para o longo-prazo. Isso tem que incluir a adoção de metas legalmente vinculativas, a definição de planos nacionais detalhados e a implementação de políticas no curto-prazo para rapidamente diminuir as emissões de GEE.

Este estudo demonstra que a definição de estratégias de longo-prazo para diminuir efetivamente as emissões de GEE no imediato é um desafio complexo, com incertezas e ambiguidades que precisam ser abordadas de forma abrangente. A credibilidade das metas climáticas de longo-prazo é crucial para o sucesso das políticas de mitigação e adaptação, sendo fundamental que os tomadores de decisão formulem planos nacionais verossímeis que resultem no rápido declínio de emissões.

Quem deveria conhecer os seus resultados?

As conclusões desta pesquisa têm implicações importantes para tomadores de decisão, organizações internacionais, pesquisadores e ativistas, fornecendo orientações valiosas para aprimorar as estratégias de mitigação e garantir que as promessas anunciadas se traduzam efetivamente em ações imediatas de redução de emissões. Alguns dos principais atores que se beneficiarão ao conhecer esses resultados incluem:

  • Tomadores de decisão: os resultados fornecem informações críticas para os formuladores de políticas climáticas, ajudando-os a compreender a eficácia e a credibilidade das metas anunciadas, assim como a identificar lacunas na sua implementação. Isso os capacita a tomar decisões mais informadas e a executar medidas mais robustas para reduzir as emissões de GEE eficazmente;
  • Organizações internacionais: entidades como a Organização Marítima Internacional e a Organização Internacional da Aviação Civil desempenham um papel fundamental na coordenação de esforços globais para combater as mudanças climáticas. Os resultados desta pesquisa fornecem diretrizes importantes para essas organizações implementarem políticas climáticas abrangentes;
  • Pesquisadores e acadêmicos: o estudo oferece valiosos resultados que podem servir de base para estudos futuros, designadamente sobre estratégias de implementação de ações imediatas de redução de emissões, sobre impactos climáticos ou medidas de adaptação;
  • Sociedade civil e ativistas climáticos: os resultados deste estudo podem ser usados por grupos da sociedade civil e ativistas climáticos para fortalecer suas campanhas e exigir ações climáticas mais efetivas por parte de governos e grandes empresas emissoras de GEE.

Referências

Rogelj, J., Fransen, T., Elzen, M. G. J. D., Lamboll, R. D., Schumer, C., Kuramochi, T., Hans, F., Mooldijk, S., & Portugal-Pereira, J. (2023). Credibility gap in net-zero climate targets leaves world at high risk. Science, 380(6649), 1014–1016. https://doi.org/10.1126/science.adg6248

J. Rogelj, M. G. J. Den Elzen, J. Portugal‐Pereira,"Chapter 4: The emissions gap" in The UNEP EmissionsGap Report 2022: The Closing Window, Climatecrisis calls for rapid transformation of societies (UNEP, Nairobi, Kenya, 2022, pp. 26–37.

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Joana Portugal-Pereira é engenheira do meio ambiente pela Universidade de Lisboa e doutora em engenharia do meio ambiente pela Universidade de Tóquio. É professora adjunta e coordenadora acadêmica do Programa de Planejamento Energético da UFRJ (PPE/COPPE/UFRJ). Foi editora e autora dos relatórios especiais sobre trajetórias de 1,5ºC e de uso de solo e do sexto relatório de avaliação (AR6) de mitigação do IPCC. É autora do relatório de avaliação de lacuna de emissões financiado pelo PNUMA.

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