Como os brasileiros se relacionam com uma dieta saudável e sustentável

Dirce Maria Lobo Marchioni

Paper

Baixa aderência à dieta sustentável do EAT Lancet no Brasil

Low Adherence to the EAT-Lancet Sustainable Reference Diet in the Brazilian Population: Findings from the National Dietary Survey 2017–2018

autores

Leandro Teixeira Cacau, Eduardo de Carli, Aline Martins de Carvalho e Maria Cristina Rulli

Área e sub-área

Ciências da saúde, Nutrição

Publicado em

Nutrients (MDPI) em 11/03/2022

Link para o original

Nas últimas décadas, presenciamos mudanças importantes nos sistemas alimentares. De um lado, a chamada transição nutricional – com as alterações de dietas tradicionais para dietas ocidentalizadas em muitos países –, de outro, os impactos da emergência climática – que coloca em risco a cadeia de produção –, bem como o crescimento de casos de obesidade – impondo risco à saúde das pessoas. Frente a esse cenário, é preciso pensar cada vez mais como dietas sustentáveis podem contribuir para sanar questões de saúde, ambientais, sociais e econômicas nos sistemas alimentares.

Este estudo, publicado no periódico Nutrients, dedicou-se ao caso brasileiro envolvendo 46.164 cidadãos com idade superior a dez anos e avaliou o consumo alimentar do que os indivíduos relataram ter comido nas últimas 24 horas. Os resultados, indicam que a população brasileira atinge apenas cerca de 30% das recomendações para uma dieta saudável e sustentável conforme proposto pela Comissão EAT-Lancet sobre dietas saudáveis de sistemas alimentares sustentáveis.

A qual pergunta a pesquisa responde?

Qual a adesão da população brasileira a uma dieta saudável e sustentável?

Por que isso é relevante?

As dietas estão simultaneamente ligadas à saúde da população e ao meio ambiente. Hábitos alimentares não saudáveis estão relacionados a uma considerável parte das doenças crônicas, e, do ponto de vista epidemiológico, a obesidade é considerada um grave problema de saúde pública, já reconhecida como uma pandemia. Ao mesmo tempo, vivemos uma emergência climática, e os sistemas alimentares tradicionais estão conectados com esta situação. Nas últimas cinco décadas, impulsionadores do sistema alimentar, como globalização e urbanização, levaram a mudanças alimentares de dietas tradicionais para dietas ocidentalizadas em muitos países LMICs (países de baixa e média renda, na sigla em inglês) no que é reconhecido como a transição nutricional. Dietas sustentáveis são fundamentais para abordar muitas das questões de saúde, ambientais, sociais e econômicas no sistema alimentar. Assim, promover dietas sustentáveis por meio de escolhas alimentares é essencial para alcançar as metas de desenvolvimento sustentável, incluindo fome zero, estabelecidas pelas Nações Unidas. Em 2019, a Comissão EAT-Lancet sobre dietas saudáveis de sistemas alimentares sustentáveis, baseado em extensa revisão de literatura, fez uma sugestão de dieta, com recomendações quantitativas, simultaneamente favorável para a saúde das pessoas e do planeta.

Nosso grupo de pesquisa desenvolveu um índice baseado nesta proposta de dieta do EAT-Lancet, e conduziu este estudo para avaliar a adesão a esta dieta na população brasileira, e verificar as diferenças de adesão nos estados. Acreditamos que estes dados são úteis para planejar e apoiar políticas públicas.

Resumo da pesquisa

Utilizamos dados da Pesquisa Nacional de Alimentação realizada por meio da Pesquisa de Orçamentos Familiares em 2017-2018. Participaram, 46.164 brasileiros com idade superior a dez anos. O consumo alimentar foi avaliado com recordatório alimentar de 24 horas. Utilizamos o índice baseado na dieta EAT-Lancet: PHDI (Planetary Health Dietary Index). O PHDI é composto por 16 componentes divididos em quatro categorias: 1) componentes de adequação: nozes e amendoim, leguminosas, frutas, vegetais totais e cereais integrais; 2) componente ótimo: ovos, peixes e frutos do mar, tubérculos e batatas, laticínios e óleos vegetais; 3) componentes da razão: hortaliças verdes escuras por total de hortaliças e hortaliças vermelhas e laranjas por total de hortaliças; e 4) componentes de moderação: carnes vermelhas, frangos e substitutos, gorduras animais e açúcares adicionados

Quais foram as conclusões?

Como principal resultado, identificamos que a população brasileira atinge apenas cerca de 30% das recomendações para uma dieta saudável e sustentável proposta pela Comissão EAT-Lancet. O escore total médio do PHDI na população brasileira foi de 46 pontos, em um escore total que pode variar de 0 a 150 pontos. A adesão à dieta EAT-Lancet foi baixa em todas as regiões brasileiras. Quando avaliamos por regiões geográficas, a região Sudeste atinge cerca de 32%, enquanto a região Nordeste atinge cerca de 29%. Além disso, as mulheres possuem maior adesão a uma dieta saudável e sustentável, o mesmo acontece para os brasileiros com idade acima de 31 anos. Brasileiros com maior renda per capita também possuem maior adesão a esta dieta, junto dos brasileiros que vivem em áreas urbanas.

Também observamos que as mulheres possuem maior adesão a esta dieta quando comparadas aos homens, mesmo quando considerada a renda per capita e a faixa-etária. Ou seja, as mulheres possuem maior adesão a esta dieta do que homens, mesmo dentre os que possuem maior renda e que possuem idade acima de 31 anos.

Os principais grupos alimentares que merecem atenção são os alimentos de origem animal (carne vermelha, laticínios, frango e outras aves, ovos), cujos escores foram baixos entre a população brasileira, indicando elevado consumo. Por outro lado, os cereais integrais e oleaginosas tiveram as menores pontuações, indicando consumo aquém do recomendado As mulheres, os idosos, os indivíduos com sobrepeso ou obesos, maior renda per capita e residentes na zona urbana apresentaram maiores escores no PHDI.

Quem deveria conhecer os seus resultados?

Além da comunidade científica interessada nos temas de alimentação saudável e sustentabilidade, gestores em áreas relacionadas e conectados com a definição e implementação de políticas públicas, e o público em geral.

Referências

Willett, W.; Rockström, J.; Loken, B.; Springmann, M.; Lang, T.; Vermeulen, S.; Garnett, T.; Tilman, D.; DeClerck, F.; Wood, A.; et al. Food in the Anthropocene: The EAT–Lancet Commission on Healthy Diets from Sustainable Food Systems. Lancet 2019, 393, 447–492.

Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO); World Health Organization (WHO). Sustainable Healthy Diets—Guiding Principles; Food and Agriculture Organization: Rome, Italy, 2019.

Springmann, M.; Wiebe, K.; Mason-D’Croz, D.; Sulser, T.B.; Rayner, M.; Scarborough, P. Health and Nutritional Aspects of Sustainable Diet Strategies and Their Association with Environmental Impacts: A Global Modeling Analysis with Country-Level Detail. Lancet Planet Health 2018, 2, e451–e461.

Dirce Maria Lobo Marchioni possui graduação em nutrição pela USP (Universidade de São Paulo), mestrado em saúde pública pela USP (1999) e doutorado em saúde pública pela USP (2003). Com pós-doutorado no Imperial College London e professora visitante na Politecnica di Milano. É professora no departamento de nutrição da Faculdade de Saúde Pública. Tem experiência na área de epidemiologia nutricional, com ênfase em consumo alimentar, atuando principalmente nos seguintes temas: consumo alimentar, dieta saudável e sustentável, recomendações dietéticas e consumo de alimentos.

Parceiros

AfroBiotaBPBESBrazil LAB Princeton UniversityCátedra Josuê de CastroCENERGIA/COPPE/UFRJCEM - Cepid/FAPESPCPTEClimate Policy InitiativeMudanças Climáticas FAPESPGEMAADRCLAS - HarvardIEPSISERJ-PalLAUTMacroAmbNeriInsper